Da expetativa ao imobilismo (IV) – Presunção e água benta… (II)
Ora então, senhor presidente, vamos lá de novo a mais uma voltinha, mais uma viagem, pela sua “década de progresso”.
Na relação que tenho na minha frente, o senhor presidente, relativamente à requalificação urbana, enumera alguns planos de pormenor, pontes e intervenções em locais diversos. Realizações que, bem vistas as coisas, devem fazer parte da atividade normal de qualquer autarquia. O senhor dá-lhe destaque porque pretendeu fazer da sua gestão autárquica um número redondo. De facto, a sua liderança à frente do concelho andou quase sempre às voltas. Às voltas. Às voltas. Mais uma voltinha, mais uma viagem.
A sua liderança, titubeante e incerta, por muito que lhe custe admitir, andou à volta das palavras, à volta do improviso, à volta do imobilismo, à volta do não te rales. E a requalificação urbana, apesar do que enumera, ficou muito aquém do que foi prometido e do que era devido.
Grande parte dos imóveis do centro histórico ou estão abandonados e a ameaçar ruína, ou, então, para lá caminham. O centro histórico da nossa cidade é sinónimo de abandono, desqualificação, destruição e desinserção arquitetónica. É normal encontrarmos edifícios onde por cima de uma loja recuperada se encontra um ou mais andares desabitados e a ameaçar desabamento. Nada parece fazer sentido. Em suma, o tecido urbano do coração da nossa urbe definha perante a teimosa, ou a apática indiferença, dos senhorios ou inquilinos e o “não te rales” da autarquia. Uma parte substantiva dos edifícios mais antigos da zona medieval de Chaves é atualmente um viveiro de ratos e aranhas. Quando não de prostitutas e toxicodependentes mais atrevidos. À ruína imobiliária junta-se a miséria humana.
De seguida fala-nos da valorização ambiental, nomeadamente das margens do rio, e de mais algumas envolventes. Posso confessar que, no meu ponto de vista, o projeto Polis, que o senhor denomina, penso eu, como “envolvente das margens do rio”, para não lembrar o engenheiro de má fama que lhe deu nome e forma, é uma obra que deve orgulhar qualquer autarca digno desse nome. De facto, valorizou imenso o rio e todo o espaço circundante, sendo atualmente um lugar de lazer e de exercício físico que só pode orgulhar uma cidade. Eu utilizo-o todos os dias e sinto-me lá muito bem.
Pensei mesmo em dar-lhe publicamente os meus parabéns, mas alguém me avisou (talvez o grilo falante do Pinóquio), que o projeto já estava pronto e em fase de desenvolvimento quando o senhor presidente tomou conta dos destinos da nossa urbe. Ou seja, as obras foram executadas no seu mandato mas o projeto tem outro mentor e distinto impulsionador. E olhe que uma boa ideia e um bom projeto por vezes definem tudo. Ou quase tudo.
A dada altura inclui como valorização ambiental as obras executadas no Jardim Público. Ora porra, senhor presidente, o que foi feito no Jardim Público não tem nada de valorização ambiental. O que lá fizeram foi, primeiro, um atentado ambiental, segundo, um assassinato de memória, e, terceiro, um esbanjamento de dinheiros públicos. Sei que foram lá enterrados, pelo menos, 500 mil euros com o resultado que todos sabemos. Era preferível tê-los dado à Misericórdia, ou iniciado outro Centro Escolar. E o que lá foi feito é um atentado ao bom senso e à inteligência dos flavienses. Abateram-se árvores centenárias, arrasaram-se quase todos os canteiros e terraplanou-se o jardim com saibro. Transformam um jardim harmonioso e emblemático num descampado. E nisso gastaram 500 mil euros. Consumiram 500 mil euros a destruir um espaço público de qualidade. Mais lhe valia ter ficado quieto. E se assim fosse ainda possuíamos o Jardim Público que todos aprendemos a amar e a admirar e o erário público tinha ficado um pouco menos endividado. É por estas e por outras que estamos penhorados até à medula.
Essas medalhas já ninguém lhas pode tirar, senhor Presidente: o assassinato do Jardim das Ferreiras e a destruição do Jardim Público. Será que tem alguma coisa contra os jardins públicos da nossa cidade? E, infelizmente, é por tais atentados à nossa memória coletiva que irá ser lembrado quando terminar o seu mandato.
Lembra-nos ainda do saneamento em Espaço Rural: cerca de trinta e sete obras. Eu até lhe podia dar os parabéns. E até tencionava. Olhe que tencionava mesmo, pois nasci numa aldeia. Mas não consigo entusiasmar-me a esse ponto. E sabe porquê? Pois, porque é triste que depois de ter fechado as escolas e, consequentemente, ter imposto que crianças e pais rumem à cidade, o que originou que nas nossas aldeias vivam meia dúzia de idosos, algumas galinhas, porcos e um ou outro burro, o senhor tenha feito o saneamento básico para os fantasmas. Agora que às nossas aldeias chegou a estrada alcatroada, a água canalizada, a luz e o saneamento básico, já lá não vive quase ninguém. É esta a nossa triste realidade. Isto não é um país, é mais o filme de um país, e de um concelho, onde tudo chega tarde e a más horas.
E também nos fala das acessibilidades. E nos bons acessos à Zona Empresarial de Outeiro Seco. Olhe, senhor presidente, outra grande asneira sua, pois gastaram-se ali milhões de euros para nada. O Parque está às moscas e nas estradas nem os animais passam, nem lá pastam, porque o alcatrão e o betão tomaram o lugar dos lameiros e das hortas. Ficou provado que a equipa que lidera tem mais olhos que barriga.
Relativamente às atividades económicas deixe que lhe dê uma palavrinhas sobre os Santos, desde logo porque não atino com a razão de o senhor presidente citar a famosa feira como um projeto da sua autoria. Desde que me conheço, ela foi sempre realizada sem que eu algum dia me tenha lembrado de a ligar a um projeto da autarquia. E, muito especialmente, da que atualmente lidera. Mas, já que o lembra, deixe que lhe diga que a cada ano que passa a Feira dos Santos vai perdendo identidade, qualidade, interesse e valor económico e social. E sabe porquê? Pois porque a autarquia não tem feito nada por ela. Não lhe tem acrescentado nada. Tem deixado tudo ao deus dará. Ou quando se lembrou de executar algumas obras para a rentabilizar e requalificar, logo as abandonou porque viu que as pessoas não aderiram. Ora esse tipo de projetos devem ser primeiro testados e comprovados. E só depois executados. Mas a câmara que o senhor preside primeiro faz as obras só depois é que se preocupa com o facto de as pessoas considerarem se a infraestrutura que custou muito dinheiro serve ou não os objetivos para que foi construída.
Depois fala de serviços e cooperação, dos quais saliento a “Modernização Administrativa” e a “Eurocidade”. Relativamente à primeira apenas relembro aos estimados leitores mais distraídos, se é que ainda os há, que a tal “modernização” mais não é do que sanear quem não convém ao vice camarário e colocar no seu lugar os seus servis apaniguados.
No que se refere à segunda, desde logo afirmo que é um embuste. A “Eurocidade” é um embuste, uma falácia, uma ficção que não serve nada nem ninguém. Não serve os galegos nem serve os trasmontanos. É um ardil que foi montado para mais facilmente os dois concelhos (Chaves e Verin) poderem aceder aos fundos comunitários. Mas o que a princípio até parecia uma boa ideia, resultou apenas numa dita “agenda cultural” de teor quase ridículo, num mural do facebook para “criar” amigos, em algumas insípidas e enfadonhas visitas do inexpressivo presidente do concelho de Verin e da presença na feira dos saberes e (dis)sabores de uma barraca com fotografias dos caretos galegos, quando não de um trio de caretos enfadonhos e grosseiros que não se cansam de badalar os chocalhos, com que afastam as pessoas de bom gosto e atormentam as crianças mais sensíveis.
Ou seja, a “modernização administrativa” resume-se a um ajuste de contas do vice camarário contra os funcionários competentes que não se vergaram, nem se vergam, aos seus ditames e à sua prepotência, e a “Eurocidade” é um conto infantil destinado a adultos, mas com um enredo muito mal elaborado, com uns protagonistas insossos e uma moral muito próxima do grau zero da honestidade.
Antes de terminar, por hoje, não posso deixar passar em branco o fundamento de que a câmara de Chaves, durante os últimos dez anos, investiu em 100 projetos/obras, 125 milhões de euros. Dito desta maneira até parece uma verdade insofismável, um facto indesmentível, um argumento irrebatível. 125 milhões de euros é uma pipa de massa. Pois é, sim senhor. Só que gastar muito dinheiro não é sinónimo nem de muitas, ou sequer, de boas obras. Mas nem as obras são muitas, nem o dinheiro gasto pela gestão autárquica de João Batista foi bem gasto. Lá esbanjado foi. Mas o resultado é aquilo que todos sabemos: um tremendo endividamento.
Mas se fosse apenas isso, o senhor presidente podia argumentar em sua defesa que todos os outros municípios o fizeram e que até o governo da Nação cometeu o mesmo pecado. Mas não nos deixemos iludir pela falácia. A título de exemplo, paradigmático, podemos referir a eliminação ou descaracterização de espaços ancestrais (Freiras e Jardim Público), a teimosia nas obras redundantes (levantamento do pavimento da Rua de Santo António) e o entretém com minudências (as inenarráveis cestas de plástico da mesma rua).
Para tais dislates, melhor seria o senhor presidente ter ficado quieto. Mas todos sabemos que não podia. O que já não sei é se os flavienses estão pelos ajustes. E é nestes últimos onde a minha esperança no futuro se torna possível.
Urge mudar de política. Urge mudar de vida. Urge mudar de protagonistas.