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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

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29
Fev12

O Poema Infinito (89): poema bucólico

João Madureira

 

As plantas deslocam-se à velocidade do verde. E o amor aumenta e a quietude que nos rodeia também. Repousamos na relva num desejo eterno que desperta por cima das flores selvagens. Este é o ciclo glorioso da primavera. Viajamos numa folha nervosa e descemos às raízes das árvores. As águas refazem-se do desejo dos minerais. As nossas bocas beijam rapidamente a memória labiríntica do fogo mágico. A terra incha à semelhança das sementes. Os jardins abandonam as aves e as aves mergulham nos olhos incandescentes das crianças e as crianças brincam com os animais e lambem breves nuvens de açúcar mascavado e suspiram e riem e choram. Este é o ciclo do regresso à terra dentro de uma história fascinada dentro da sua inverosimilhança. A paisagem prolonga-se por entre ruínas azuladas. Juntamo-nos com o olhar vago no ângulo recortado das árvores paralelas como se fôssemos dois atores que tremem e sorriem sem saber porquê. E o silêncio espreita e as raízes irrompem e tremem e sorriem sobre a quietude abandonada das pedras. Tu dizes: não tenhas medo, somos apenas um sonho numa folha paralela do tempo. Os teus lábios tremem e sorriem e a vida espreita-nos desconfiada. Um vento vertical adere aos nossos cabelos e os lagartos pressagiam calor e sombras e dedos afiados nas pedras e pedras cheias de musgo e plantas recolhidas na sua forma composta. E os insetos sossegam de repente aproximando-se lentamente dos malmequeres tranquilos no seu amarelo e branco superficial. E o vento torna a sossegar. E as colinas latejam nos seus sonhos imutáveis. Cresce-nos água na boca e os nossos corpos enchem-se de sinais que são rosas intactas. Não tarda e os nossos olhos vão entusiasmar-se a filmar o crepúsculo. Mais logo a memória poderá reconstruir toda a nossa vida a partir de imagens difusas. Por agora ainda nada é evidente. Só o azul. Todo o azul do mundo. Sabemos e sentimos que o instante se ergue como os carvalhos sussurrantes das serras frias do barroso. Lá ao longe tilintam os guizos das cabras na sua lucidez imitativa. O pastor sonha com a sua imobilidade impressa na paisagem. As borboletas acompanham a radiografia do céu. Os rios sacodem a língua turva dos montes e o isolamento vertiginoso das giestas e dos tojos e das urzes. Alguma chuva suspende-se nas encruzilhadas feridas pelos resíduos do pó. Os animais recolhem às suas tocas fixadas pela espera.  

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