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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

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12
Mar12

Da expetativa ao imobilismo (VI): Os saberes e os (dis)sabores

João Madureira

 

Caro senhor presidente da Câmara Municipal de Chaves, estimado vice-presidente e restantes vereadores da maioria, confesso que não sei se os hei de levar a sério ou a brincar. Seja de que forma for, tenho de admitir que tal desígnio não é tarefa fácil. É que quando querem parecer sérios são ridículos. E quando se armam em brincalhões, deixam os flavienses preocupados.

 

A gestão de dez anos de “batistismo” (sei que o substantivo é quase pícaro, mas o referente também o é, por isso bate a letra com a careta) foi uma peça de ópera bufa e os últimos meses de propaganda política é, em tudo o que a rodeia, uma piada de mau gosto e de pior desempenho.

 

E também é verdade que os senhores autarcas andaram, e continuam a andar, a maior parte do tempo a brincar com coisas sérias, como por exemplo o são a nossa memória coletiva e o nosso putativo desenvolvimento, que, neste caso, melhor será designar de subdesenvolvimento, atraso e subalternidade, nomeadamente em relação a Vila Real. E olhem que não é coisa pouca.

 

Mas desta vez o que me traz à liça é a feira (mostra?) dos Saberes e (dis)Sabores, pois estou em crer que a autarquia flaviense olha para o evento com a desconfiança dos maus imitadores. Sobretudo porque não a leva a sério. E com coisas desta importância não se brinca.

 

Já me questionei se o sentido de humor dos autarcas da minha terra chega ao ponto de organizarem uma feira do fumeiro travestida de uma saloia salada russa à transmontana. Misturando um pouco de tudo com outro tanto de nada. Se assim é, o facto só pode provocar a nossa estupefação. E por fim, porque nada mais nos resta, o riso.

 

Ora rir é uma coisa sofisticada. E exige motivo. Por mor das dúvidas, vou, antes de entrar na matéria de facto, pedir a ajuda de dois mestres do humor: o professor catedrático Abel Barros Baptista e o responsável editorial por uma coleção de literatura de humor, Ricardo Araújo Pereira.

 

Estes dois senhores afirmaram à revista LER que o que os faz rir é o costume: velhinhas a cair, pois dizem (talvez na brincadeira) que têm um gosto, ou uma capacidade mais sofisticada para rir do que as pessoas normais. Parece que as velhinhas a cair é o padrão. Dado que o cómico da situação tem mais graça imediata do que o cómico da linguagem, pois a linguagem requer sempre alguma sensibilidade especial.

 

Segundo os citados especialistas, aqui há um problema, pois uma coisa é o que faz rir uma pessoa e outra é aquilo que ela acha cómico. E é aqui que eu me situo. Por exemplo, a feira dos Saberes e dos (dis)Sabores faz-me rir mas não encontro no evento nada de cómico. Bem antes pelo contrário. Se calhar, e como o senhor presidente é um homem de letras, aconselhava-o a ler um livro de Milan Kundera, que define logo no título, com a precisão de um raio laser, a sua década de progresso: “O Livro do Riso e do Esquecimento”. Até me atrevo a mais, e perdoe-me, se puder, a impertinência, de lhe aconselhar a ler, e a meditar, sobre outro romance do escritor checo, que só o título diz tudo: “A Insustentável Leveza do Ser”, que, no seu caso, podemos transformar em “A Insustentável Leveza da Gestão Autárquica de João Batista”. 

 

O senhor presidente, na apresentação da sétima edição da mostra Saberes e (dis)Sabores, referiu aos jornais que “é um certame que visa promover o concelho, a cidade e a região com o que ela tem de melhor”. Mas não contente com a piada, foi ainda mais longe e referiu “tratar-se de uma iniciativa que surge no âmbito do combate à desertificação rural iniciado em 2004”. Bem, só estes dois argumentos dão para elaborar um tratado sobre o sentido de humor dos atuais autarcas flavienses.

 

Então se já lá vão sete anos de Saberes e (dis)Sabores, e se o certame foi pensado para combater a desertificação, porque raio é que as nossas aldeias se esvaziaram de uma forma irreversível? Porquê, senhor presidente? Olhe que a resposta é fácil e evidente: pois porque uma coisa é “botar” umas palavras de circunstância (a retórica sempre lhe vai servindo de alguma coisa, para encher páginas de jornal) e outra bem distinta é agir em conformidade com aquilo que se diz.

 

Se as suas afirmações têm a intenção de fazer humor, peço-lhe desde já desculpa, mas eu com coisas sérias não brinco. Amo demais a minha terra para me rir com a sua destruição, com o seu abandono, com o seu empobrecimento, com a sua morte irrevogável. E ainda me custa mais porque sou de uma aldeia que se esfuma no ar mais um pouco a cada dia que passa. Sei que quando vou à Torre de Ervededo é porque faleceu mais alguém. E desde há muito tempo que não nasce lá uma única criança. De facto, o cemitério é o único lugar possível de reunião entre familiares, amigos e conhecidos. É lá onde estão já quase todos os filhos da Torre. E os que ainda por aqui penamos, não tarda muito a irmos fazer-lhes companhia. Os velhos morrem, os filhos emigram e os netos… não existem.

 

Mas, mudando de assunto, Abel Barros Baptista acha que pode existir certo tipo de situações próprias da comédia e que não nos fazem rir. Pois há uma diferença entre achar cómico e rir. Muitas das vezes rimo-nos de coisas que não achamos cómicas. Por exemplo, o senhor presidente afirmou que “com menos visitantes, Saberes e (dis)Sabores mostrou esforço para resistir à crise”.

 

Claro que a sua afirmação não tem graça nenhuma, mas dá vontade de rir. Mas arranjar a desculpa esfarrapada de que “a crise e a vaga de frio polar contribuíram para uma queda de 25 a 30% no volume de negócio, mas as vendas correspondem às expetativas dos expositores”, é uma desculpa tão esfarrapada que só pode ser entendida como uma anedota. E as anedotas, essas sim, são sempre contadas para fazer rir.

 

Todos sabemos que há anedotas boas, médias e más, mas a que o senhor presidente resolveu contar aos jornais é desastrosa. Por isso não me consegui rir nem um bocadinho. E segundo os especialistas “precisamos do riso para legitimar a natureza da coisa”.

 

Ora a natureza das suas intervenções é cada vez mais ridícula, porque vazia de sentido, e porque manipuladora da verdade. Há muitas pessoas que se riem imenso a ler. Eu por vezes também o faço, mas os textos têm de ser de qualidade. O que não é manifestamente o caso das anedotas que quase todas as semanas conta aos jornais.

 

O senhor presidente podia falar verdade relativamente à quebra de receitas e de visitantes na “sua” feira do fumeiro. É que, por exemplo, as feiras de fumeiro de Montalegre e Vinhais metem a “sua” num bolso. Saberes e (dis)Sabores é um arremedo de feira do fumeiro, é uma imitação barata, é uma miscelânea de coisas, é uma iniciativa envergonhada. É um equívoco.

 

Por causa das coisas, eu e os meus amigos fomos ver para crer. Fomos à feira do fumeiro de Montalegre e viemos de lá encantados. A organização é exemplar, o espaço é magnífico e os anfitriões são dinâmicos e competentes. Tudo por lá respira determinação, orgulho e tradição. Fomos à feira do fumeiro de Vinhais e viemos de lá encantados. A organização é perfeita, o espaço é esplêndido e os anfitriões são diligentes e idóneos. Os organizadores revelam determinação, vaidade e tradição.

 

Também fomos aos Saberes e (dis)Sabores. Mas viemos de lá tristes e desiludidos. Apesar de o nosso fumeiro ser potencialmente melhor do que o de Montalegre e o de Vinhais, o volume de negócios é ridículo, a organização sofre de um amadorismo retrógrado e o espaço é medíocre. Eventos desta dimensão não se compadecem com amadorismos irritantes. 

 

O espelho daquilo que afirmamos está implícito nas suas palavras, senhor presidente: “A diferenciação deste certame, que além dos produtos locais também apresenta artesanato, assume-se como uma verdadeira vitrina para quem pretende apresentar e comercializar os seus produtos”. Aqui sim, aqui está um naco de prosa capaz de fazer rir até os especialistas nestas coisas do humor. Uma “vitrina” para o fumeiro, para as pedras e para as cestas, é bem achado sim senhor. Não é montra, não é balcão, não é sequer um expositor, ou um escaparate, ou prateleira, é uma “vitrina”, pois é muito mais fino.

 

Infelizmente não são os substantivos pomposos os que definem a qualidade da feira, não é o amadorismo dos organizadores o que arrasta pessoas até à nossa terra, não é o improviso dos gestores autárquicos o que potencializa os negócios, não é a indefinição o que cria identidade, não é a confusão o que promove a qualidade dos produtos, não é o equívoco o que cria identidade. Basta ir a Montalegre e a Vinhais para vermos como os turistas fazem autênticas peregrinações às suas feiras do fumeiro. A de Chaves não atrai mais gente do que um dia feira normal. 

 

Como flaviense cai-me mal que a minha terra seja alvo de chacota quando organiza eventos deste género. E cai-me ainda pior porque sei que os principais culpados pela nossa inépcia estão disfarçados de autarcas e encafuados entre as quatro paredes da Câmara Municipal a dizer que… dizem e a fazer que… fazem.

 

O senhor presidente afirmou que o papel do poder local é fundamental para dinamizar a economia local. E tem razão. Tem toda a razão do mundo. Mas mesmo tendo essa consciência, a sua prática, incluindo sobretudo os homens de que se rodeou, é um arremedo das boas práticas dos autarcas de Vinhais e Montalegre. E tudo porque a sua gestão é de uma pasmaceira enervante, é de um conformismo alarmante, é de uma vacuidade irritante, é de um cinzentismo angustiante. E é de um amadorismo saloio.

 

Atrevo-me mesmo a citar o exemplo das tasquinhas como o paradigma da organização, do sucesso e da qualidade da feira dos Saberes e (dis)Sabores. “Nesta 7º edição, a autarquia abriu cinco vagas para a restauração, mas apenas concorreram três estabelecimentos, que serviram pratos típicos regionais…” Por aqui se vê a dinâmica da sua organização e a expetativa dos comerciantes. Além disso, os pratos de típico tinham muito pouco. Eu, para experimentar, ainda comi “calhos”, que é um prato típico… galego. E o meu amigo Fernando degustou umas costelinhas que são um prato típico… nacional. Mas também havia lá polvo, talvez pescado… no Tâmega, e servido… à galega. E o vinho, esse sim era típico, típico sobretudo na sua baixa qualidade.

 

Para terminar, deixe, senhor presidente, que me socorra da literatura e do humor para tentar dar o remate final nesta crónica que já vai longa. Lembra-se, com toda a certeza, de eu ter um pouco atrás relatado o facto de existirem pessoas que se riem imenso a ler. Por acaso isso aconteceu-me quando li “O Labirinto das Azeitonas” de Eduardo Mendonza, no qual o personagem principal, um detetive, andava nu por baixo da gabardina que envergava. Pois a sua gestão autárquica trouxe-me à memória essa situação hilariante. De facto, a sua gestão à frente da Câmara aparece nos jornais vestida de gabardina, mas o que na verdade ela está é nua. O senhor presidente pode ir de gabardina, mas a sua gestão vai nua, um pouco como a história do rei autista, vaidoso e gabarolas.

 

Por isso é cada vez mais urgente mudar de vida e de paradigma. Então até para a semana, se Deus quiser e o tempo deixar. 

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