O Poema Infinito (92): o declive das palavras
Definitivamente voamos entre espaços, declives e sombras, seguindo o movimento das montanhas e o vazio da terra e o texto do ar e a raiz dos caminhos, em círculos lúcidos desenhados com compassos de frases que são lábios. À altura do sol, a aridez da água detém-se no eco. E as palavras atravessam as tuas pálpebras enquanto as mãos prolongam a distância. As coisas simples definem o seu sentido na sua promessa de sentido, na cintilação silenciosa do crepúsculo. Adormeço pensando na luz vazia que refletem os meus pais. Agora os seus rostos irradiam uma harmonia que nunca tiveram. Agora são rostos que falam dentro do seu silêncio, no silêncio da sua beleza definitivamente parada, na plenitude inacessível da morte. Agora são uma infinita contemplação estática. Agora estão perante a noite mais profunda. Um pássaro de desespero fica pousado sobre os meus dedos segredando-me a sua densidade incompreensível. Hoje não encontro a fluência das aves, antes saboreio o sal das minhas lágrimas. Por isso as palavras caminham na minha sombra e no vazio das páginas desabitadas. Toda a nudez se transforma numa fúria sedenta. Todos os corpos de desfazem no seu instante de luz. E as palavras frias levantam os braços em sinal de desespero. A tua boca é um abismo onde o desejo se escreve. As palavras voltam a ser círculos abertos dentro da sua densidade variável. Voltam a ser objetos incontornáveis que fazem o impossível do possível. Estamos entre dois espaços e o ar prolonga-se na sua ausência. Somos cada vez mais resíduos de paisagens, sorrisos inacessíveis, incessantes vibrações que gritam. Observo a tenacidade da ruína humana com a impotência dos sábios. Incendeiam-se as páginas dos livros procurando os murmúrios da água fresca. As palavras tentam salvar-se saindo de dentro das suas passagens vertiginosas. Palavras agora carregadas de sombra e dúvida. Torna-se percetível a paciência e sentimos a terra deslizando dentro de nós. A folhagem dos cabelos das árvores desperta e entrega-se à dança do fulgor. Um silêncio central apaga os caminhos e suspende o sentido das coisas que dormem dentro da sua nudez. A luz é novamente uma evidência de fábulas.