Da expetativa ao imobilismo (XIII): os tagarelas e a eutrofização laranja
O ano vai seco. Mesmo muito seco. Não tem chovido coisa que se veja. Possivelmente a culpa é do engenheiro Sócrates. Bem vistas as coisas, a culpa só pode ser dele. Este governo (ai como as palavras estão gastas) não o diz, mas insinua-o.
De facto tem de haver um culpado. Até para a culpa não morrer solteira, pois com este executivo (ai como as palavras dizem coisas que não querem dizer) todos nós somos culpados pela grave situação social, económica e financeira do país.
Lá chover não chove, mas o país mete água por todos os lados. E não só mete água. Mete pena. Mete muita pena. Mete dó.
E não é só o país que mete dó. Chaves segue-lhe o exemplo. Até o Tâmega mete pena. E já mete pena há muito tempo.
A verdade é que para tentar remediar o estado lastimável do rio, a anterior autarquia mandou fazer o célebre espelho de água entre pontes. Ou seja, alindou centenas de metros mas esqueceu-se, ou não teve tempo, de arranjar vários quilómetros a montante e a jusante que entristecem os flavienses mais atentos e amarguram quem nos visita.
A atual autarquia flaviense não tem feito outra coisa que não seja varrer o lixo para debaixo do tapete, como se o espelho de água resolvesse os problemas estruturais das margens e do leito do rio. É este espírito de novo-riquismo que nos continua a fazer empobrecer a cada dia que passa.
Enquanto olhamos entretidos para o espelho de água, o rio continua a definhar, a agonizar, a poluir-se e a morrer mais um pouco todos os anos.
Por vezes, as autoridades regionais ou nacionais fazem que se condoem com este estado de coisas e vêm até a “província” dizer que dizem e fazer que fazem. Vêm tagarelar.
Para isso é são que pagas, desculpa-se alguém por nós.
Há meia dúzia de semanas vieram até Chaves uns pândegos participar num fórum regional com a intenção de “potenciar a sustentabilidade dos recursos hídricos”, no âmbito do Plano de Gestão das Regiões Hidrográficas do Norte, por obrigação legislativa europeia.
Vieram até cá e disseram coisas tão relevantes como “a Veiga é uma massa de água que está a ser monitorizada, está em bom estado, mas é preciso prevenir, controlando as descargas de resíduos e a poluição difusa”.
Isto já nós o sabemos, vai para mais de vinte anos. Mas eles, os tagarelas iluminados que dirigem estes fóruns, descem à província e tratam logo de nos encher os ouvidos com lugares comuns e verdades “lapalissianas” como se fossemos parvos.
Disseram, para quem os quis ouvir, que vinham até nós para auscultar as opiniões, críticas e sugestões das entidades da região com responsabilidades no setor das águas, como as autarquias, o Ministério da Agricultura, a GNR, a EDP, as empresas gestoras dos sistemas de abastecimento e saneamento, bem como os empresários e os académicos. Ou seja, os suspeitos do costume.
É caso para dizer que eles ouvem, ouvem, ouvem e nada fazem. Ouvem, ouvem, escrevem, escrevem, falam, falam, mas, esses tagarelas de pacotilha, não fazem nada.
O rio a definhar há décadas, a morrer ali mesmo aos nossos pés e os tagarelas das instituições vêm até nós para “enriquecer o plano com a participação das instituições para sermos mais eficazes, uma vez que os recursos financeiros são escassos”. Isto porque temos de “cumprir as obrigações ambientais da União Europeia.”
Eles, os tagarelas, fazem os projetos, realizam fóruns, andam de um lado para o outro nos seus carros, elaboram estudos, gráficos e relatórios. E o Tâmega para ali a morrer há décadas. E eles, os tagarelas, a fazer que fazem, a dizer que dizem…
E o nosso rio a definhar como um peixe ferido de morte.
E reconhecem, os tagarelas, na sua sapiente erudição, que “embora o plano atribua uma classificação deficitária à qualidade da água do Tâmega”, como se isso fosse um novidade, “devido à eutrofização provocada pela falta de velocidade da água”, que mais não é do que uma crítica velada ao Espelho de Água, “a Veiga é uma massa que está monitorizada”, etc.
E fazem-se estes senhores tagarelas pagar muito bem para dizerem aquilo que todos já sabemos há tanto tempo.
E o Tâmega ali a nossos pés a definhar e a morrer mais um pouco todos os anos.
E estes senhores tagarelas a explicarem o óbvio, sem mexerem uma palha, a não ser dizer que dizem, e que “monitorizam”, e blá, blá, blá e mais blá blá, blá e “eutrofização” para aqui e “sustentabilidade” para ali e “massa de água” para acolá.
E ainda mais blá, blá, blá.
Depois, os tagarelas resolveram ir passear pelas margens do rio, lá para o lado das lagoas existentes no meio da Veiga. E constataram o óbvio. O lixo que por ali se acumula vai para mais de vinte anos.
O lixo. Toneladas e toneladas de lixo. Lixo e mais lixo. Lixo por todo o lado. Camadas de entulho e margens degradadas. As feridas evidentes da extração ilegal de inertes. Esse foi o cenário terceiro-mundista que encontraram: áreas enormes de depósito de lixo de toda a espécie.
A verdade é que durante a “década de progresso” de João Batista, e dos seus acompanhantes, a nossa autarquia fez que nada viu, fechou os olhos a uma realidade que até cegava, de tão evidente.
Um fechar de olhos irresponsável por parte da nossa Câmara, devidamente misturado com muitos interesses económicos.
Quase um cenário de guerra: Montanhas de entulho com mais de dez metros de altura, máquinas abandonadas, as lagoas a secarem, os peixes a morrerem, ali aos nossos pés, perante a indiferença de quem manda, de quem pode, e deve, alterar este rumo de coisas, de quem afirma que nos governa.
Mas, convenhamos, foi um técnico da Câmara que serviu de cicerone à visita ao depósito de lixo que é atualmente o Tâmega.
Nós nisso somos exímios: não temos pudor algum em mostrar as nossas chagas, em revelar aos outros o nosso subdesenvolvimento, como se fôssemos masoquistas e indolentes.
Nada do que ali se encontra se deve ao desleixo dos flavienses, mas antes à incúria de uns tantos que usam e abusam do que é de todos como se fosse seu, perante a indiferença da autarquia e o fechar de olhos das autoridades competentes.
Os senhores entendidos, e tagarelas, discutiram a vastidão e a complexidade das leis, as dificuldades da aplicação das diretivas, a ausência de cartografia e fiscalização das massas de água subterrâneas e a sobreposição de competências entre entidades.
Ou seja, discutiram entre si aquilo que são, tagarelaram numa postura autista, empurrando as culpas para o lado. Pois são eles, os tagarelas, que fazem as leis, são eles que fazem os projetos, os estudos, os fóruns, os passeios, etc.
Eles, os tagarelas, que são pagos para atuarem, queixam-se e monitorizam. Falam. Não agem, falam.
E o Tâmega a definhar, a morrer, perante a indiferença das autoridades, dos parlantes, dos suspeitos do costume. Dos tagarelas.
O lixo a acumular-se, o rio a definhar, os peixes a morrer, e eles, os tagarelas, a falar, a dizer que dizem, a falar que falam.
E o Tâmega a morrer.
O lixo a amontoar-se nas barbas das autoridades civis e militares, e os pândegos tagarelas lá de baixo a dizer que dizem, a falar que falam…
E o Tâmega a morrer, a desaparecer ali a nosso pés, num choro fino e manso que arrepia todos quantos nele tomaram banho, todos quantos o amaram e acarinharam.
O Tâmega a morrer, o lixo a asfixiá-lo, e os tagarelas das palavras e dos projetos, a dizer que dizem, a falar que falam. Ali numa cumplicidade enervante. Num fazer que faz provocador. Numa encenação impertinente.
E por falar em água, em poluição e desleixo, deixem que vos diga umas palavrinhas acerca das “comemorações” do 25 de Abril levadas a efeito pela nossa autarquia.
A cada ano que passa, cada vez mais as tratam como lixo.
Bem podem tentar meter o 25 de Abril no contentor do lixo dizendo que pretendem mandá-lo para a reciclagem, mas a tentativa só os menoriza.
As comemorações da nossa autarquia não tiveram rigorosamente nada de relevante. Foram apenas meia dúzia de iniciativas ridículas, sensaboronas, medíocres, irrisórias e irrelevantes. Tiveram até uma aula de hidroginástica na Piscina Municipal.
Por amor de Deus, tirem-nos deste filme.
A autarquia pode não gostar da data, está no seu direito democrático – e olhem que eu já vi militantes do PSD botar gravata preta, em sinal de luto, neste dia –, mas não podem, e não devem, ridicularizar e esvaziar de sentido esta data memorável. Olhem que o ridículo pode matar.
Se não gostam do 25 de Abril não o comemorem. Mais vale ser conservador coerente do que democrata fingidor.
A cada dia que passa, torna-se mais evidente que a democracia morre asfixiada pelas mãos ríspidas deste rancho de democratas inertes.
Oxalá não morram também eles asfixiados por causa da eutrofização que provocam nas águas quase paradas da nossa cidade e do nosso concelho, cada vez mais rarefeitas de liberdade, de esperança e de futuro.