Da expetativa ao imobilismo (XVI): António, “Tu si que no valles.”
Depois de ler a entrevista da escritora Hélia Correia à revista LER confesso que fiquei um pouco atrapalhado. Desde logo por causa da desilusão que ela me provocou, mas também porque me fez ativar no cérebro uma luzinha indicadora de que algo estava incompleto.
Na entrevista, Hélia Correia passa o tempo falar de gregos e de gatos. De gatos e de gregos. De gregos. De gatos. Deduzo que são as suas paixões. Eu cá por mim passo bem sem elas. No entanto, lá pelo meio da entrevista, foi deixando algumas frases interessantes. Eu retive duas. Primeira: “Estamos a viver um período de grande decadência.” E segunda: “Estive quase a ser normal, imagine”. E foi esta última afirmação que me trouxe de novo à realidade.
Foi a “quase normalidade” que fez o link. Pode parecer estranho, mas foram estas palavras que me trouxeram de novo à realidade flaviense. Sugerem que alguém deixou alguma coisa por fazer. Eu talvez não seja. Então quem será o culpado? Bem, talvez o António. Esse senhor vereador que também chegou quase a ser normal.
Imaginem. Chegou a ser vice-presidente da Câmara e conseguiu mesmo exercer o cargo de deputado por uns meses. Chegou ainda quase a ser o candidato natural do PSD à autarquia flaviense. Chegou quase, mas não conseguiu. Transformou-se num candidato fraturante. Chegou ainda quase até a ser respeitado no PSD, mas não conseguiu o que à partida parecia ser o mais fácil.
Varias fações do PSD têm-lhe uma aversão muito próxima da dissidência. Outras fazem que o apoiam. Outras, ainda, fingem que não reparam na sua pouca apetência para o cargo, devido à sua manifesta incapacidade para gerir pessoas, motivar expetativas, orientar equipas, definir chefias, ponderar lideranças, organizar estruturas, criar consensos, imprimir uma cultura de qualidade às instituições, produzir ideias, promover a democracia nos atos públicos e atuar de forma transparente na gestão dos dossiês.
Se não fosse o aparelho, o António Cabeleira não conseguia sequer fazer-se escolher para presidente de junta. A sua incapacidade para criar empatia, a sua inabilidade para falar em público, a sua incapacidade para se fazer respeitar de forma natural, tornam-no num problema para o PSD e, o que é ainda mais grave, para o concelho. O PSD sabe-o e anda preocupado. João Batista sabe-o e tenta disfarçar. O arquiteto Penas sabe-o e ri-se de mansinho. Fernando Campos também o sabe e rejubila.
António Cabeleira, por muito que estrebuche e que apareça nos jornais a espreitar para a lente da sua fotógrafa de serviço, jamais poderá ser uma solução credível e respeitada para o problema da sucessão de João Batista. O vereador Cabeleira é atualmente o maior problema para que a sucessão camarária se faça dentro da família laranja. Não é que isso me aflija. Seria hipócrita se o afirmasse. Mas o meu respeito pela verdade exige-me que o diga com todo o desassombro.
A democracia só tem a ganhar quando os diversos candidatos a um cargo revelam qualidade técnica e política, tolerância, capacidade de liderança e cultura. Dou um folar do João Padeiro a quem conseguir responder afirmativamente sobre as qualidades atrás elencadas quando ligadas ao citado senhor vereador laranja.
Mas vamos lá à tal luzinha vermelha que se me acendeu no cérebro. O que me ficou a bulir no subconsciente foi a entrevista de António Cabeleira a um jornal da terra. A tal onde ele afirmou, enquanto os funcionários da Misericórdia gritavam bem alto a sua indignação exigindo o pagamento dos seus ordenados em atraso que lhe permitissem comer, vestir e calçar, que “neste período de crise que estamos a viver pretendemos que o número de clubes mantenha a sua atividade.”
Basta apenas o título para definir a entrevista. Ela é do princípio ao fim uma autêntica declaração de desistência. É um abandono e uma iniquidade. É, ainda, uma perfeita inutilidade argumentativa. É o grau zero da gestão autárquica e da sua política desportiva. É uma vergonha.
Mas vamos lá por partes. A dado passo, o senhor vereador António, faz esta declaração surpreendente relativamente à putativa reestruturação orgânica das distintas divisões da autarquia: “Não houve qualquer análise de valia na área de desporto, pelo antigo vereador dessa função, o arquiteto Carlos Penas, antes pelo contrário, pois é uma pessoa bem mais informada do que eu e com grande mérito no trabalho realizado”. É caso para gritar como João Neves: António, “Tu si que valles.”
Ora então vamos lá ao âmago da questão. A reestruturação foi feita com o único objetivo de tirar ao arquiteto Penas os pelouros que dão visibilidade e, para os mais vesgos nestas coisas, mais votos. Ou seja, o António Cabeleira (e o grito de João Neves a fazer das suas: António, “Tu si que valles”) exige a João Batista, como prova do seu apoio, uma reestruturação que retire ao antigo delfim do presidente os pelouros cobiçados pelo vereador António (e o grito de João Neves a fazer das suas: António, “Tu si que valles”), que insistiu, quase até ao delírio conspirativo, em se mostrar disponível para presumivelmente perder a Câmara de Chaves. Além disso, como não podia fugir à verdade objetiva, afirmou que o seu colega de partido e de vereação “é uma pessoa bem mais informada do que eu e com grande mérito no trabalho realizado.” É caso para lembrar que a hipocrisia pode ferir de morte a credibilidade de uma pessoa e a sustentabilidade de uma instituição.
João Batista foi forçado a demitir um vereador das suas funções para lá colocar um bem mais fraco, ou mesmo incompetente, nestas coisas do desporto. Ora isto é uma iniquidade. Ninguém afasta um bom vereador, e competente ainda por cima, para colocar no seu lugar um que nada percebe do assunto invocando o estúpido argumento de uma mais que duvidosa restruturação camarária.
Além disso, nesta putativa restruturação não foi só o arquiteto Carlos Penas que foi para a prateleira política. Foi ele e muitos dos mais competentes técnicos e técnicos superiores que trabalham na Câmara. Despromoveram-nos para promoverem os apaniguados, todos da confiança de António Cabeleira, que teve mesmo a ousadia de ir buscar amigos a outras autarquias para os pôr a chefiar divisões que desconhecem, ou quase.
Claro que este tipo de atitudes é legal. Mas o que nós questionamos é a moralidade desses processos. A coberto da legalidade também se cometem injustiças do tamanho da torre de menagem do castelo de Chaves. À mulher de César não lhe basta ser séria, tem de parecê-lo.
A mim o que mais me surpreende é João Batista entrar neste tipo de jogadas argumentativas. Promover amigos, gente de confiança partidária, numa instituição pública, que gere dinheiros públicos, obras públicas e serviços públicos, onde todos são funcionários do Estado e obrigados às leis patentes de independência, lealdade e competência, é de uma inabilidade política e social preocupante. Mas os atos têm de ficar com quem os pratica.
Mas, insisto, sujeitar a estratégia partidária a este tipo de jogos de bastidores fica mal a quem sempre afirmou conduzir a sua vida partidária e autárquica pela lisura, a transparência e a independência.
Eu não sou dos que confundem as pessoas por serem do mesmo partido. Para mim não são todas iguais. Nunca o foram, nem nunca o serão. Não sou um sectário. Eu sei que os vereadores do PSD não são todos iguais, que os militantes do PSD não são todos iguais. Nem nunca pus no mesmo saco o presidente João Batista e o seu vice camarário António Cabeleira (e o grito de João Neves a fazer das suas, a fazer eco: António, “Tu si que valles”). Mas confesso que nestes últimos meses de mandato autárquico, a atuação do senhor presidente me tem desiludido particularmente. Tinha-o por um homem frontal, mas descubro-o agora muito próximo da mesquinhez política, sujeitando-se a ser um pau mandado nas mãos do aparelho partidário dominado pelo seu vice. E isso não é bonito de se ver. Nem o PSD merecia isso, nem a Câmara merecia isso, nem a cidade merecia isso, nem os amigos lhe mereciam isso.
Jogar xadrez com pessoas não é uma atitude muito séria, quer do ponto de vista moral quer do ponto de vista humano. E a política não permite tudo, não legitima tudo, não desculpa tudo. Não é por se vir embora de vez que João Batista deve abdicar dos seus princípios morais, éticos e políticos. E, convenhamos, a cada dia que passa se torna mais evidente que a escolha de António Cabeleira (e o grito de João Neves a reverberar nas paredes dos gabinetes: António, “Tu si que valles“) para lhe suceder é um tremendo equívoco.
Existem qualidades que ou se têm ou não. E o António pode ser tudo, menos um líder. Pode ser tudo menos tolerante e tolerado. Pode vir a ser tudo menos um bom presidente da Câmara. Além disso, os tiques autoritários amplificam-se com o aumento de poder. E quem o conhece de perto sabe muito bem daquilo que falo. Além disso, a ambição cega-o.
E bem pode João Neves gritar: António, “tu si que valles” que não é por isso que ele passa a valer aquilo que não vale. Que passa a ser aquilo que não é. A raposa pode mudar de pelo, mas não muda de hábitos.
Neste período de crise profunda que estamos a viver é bom que evitemos fazer ainda mais mal a nós próprios. E a eleição de António Cabeleira (e o grito de João Neves a fazer das suas e a tornar-se verdadeiro: António, “Tu si que no valles”) para a Câmara de Chaves pode transformar-se num mal desnecessário. Pode ser que as suas palavras de desânimo e desistência venham a provocar a desistência e o desânimo no nosso tecido social e humano.
A nossa cidade e o nosso concelho necessitam, mais do que nunca, de ter à frente dos seus destinos gente que os ame de verdade. Não gente que se contente com a fatalidade, que se remedeie com a mediocridade, que se alimente de aparelhismo e desistência, do amiguismo e da subserviência.
PS 1 – De início tinha intenção de falar da tal entrevista de que vos falei, mas dado o adiantado do texto, peço desculpa mas fica para a próxima semana. E até lá façam o favor de não desistir. Para desistente já basta o que basta. Os verdadeiros flavienses não sabem conjugar esse verbo.
PS 2 – Durante o passado fim-de-semana, os meus textos foram alvo de censura num grupo do facebook. Por isso é que já aqui escrevi que a raposa pode mudar de pelo mas não consegue mudar de hábitos. Este é o truque milenar dos prepotentes que quando não lhes agrada a mensagem resolvem matar o mensageiro.
Se lá por Lisboa o ministro Relvas consegue fazer chantagem sobre o melhor e o mais prestigiado jornal diário, imaginem o que se pode estar a passar em todo o país. Por isso aqui fica o meu apelo para que a cidadania em geral permaneça atenta e vigilante e para que particularmente os flavienses permaneçam de sobreaviso. A liberdade de expressão é um bem inestimável.
Mas aqui também fica o meu recado aos prepotentes: a mim não me calam. Podem-me censurar, mas não me calam. Disso podem estar certos.