O Poema Infinito (101): investigação variável
Hoje deitei-me num tufo verde de letras sequiosas numa área delimitada por uma circunferência fixa mediante um sistema regular de campos literais onde se monologava como quem semeia cortesãs redondas em textos epistolares. Toda a erosão se expande enquanto o sol de inverno cobre os livros penteados pelo sono das prateleiras. Dentro dos livros crianças choram a sua maturação fixa de frases perpétuas como se fossem celas eternas. Os céus outrora límpidos tornaram-se opacos. Amantes cegos copulam dentro da sua dimensão escura do amor. Os dias tornam-se carnívoros. Os rios descem as encostas pelos desfiladeiros rasos de teologia. As figuras dos calendários murcham e sufocam na sua raiva fixa. As palavras frias tornam-se incandescentes quando saem dos teus lábios e as frases quebram-se com um antigo sentimento de cortesia. As linhas do poema deslizam agarradas às mãos que são sonhos pequenos que desdobram paisagens e que bendizem os berços dos bebés que brincam com a luminosidade das palavras das suas mães. E as planícies dissipam-se em busca das estações translúcidas que amamentam as árvores que falam. A fantasia é agora um deserto. Os homens atravessam as paredes e sofrem a sua ilusão mortal. Deus aparece-lhes vestido de camponês e divide-os em intervalos mecânicos de chuva. Um tórrido silêncio rodeia-os de suor e memória. Os seus corpos são agora mastros e lanças e punhais vagarosos como olhos frios de medo. Corcéis digerem o seu desalento. Árvores de luto e resignação adoecem padecendo da doença dos gritos. Os cereais coligem frases de fome. Os textos adormecem prolongando o sono dos feiticeiros alquimistas. As crianças bocejam vocábulos descalços. O tempo faz a sua sondagem variável no corpo das crianças. E as crianças voltam a bocejar os seus vocábulos exíguos. Dedos de luz mutilam a noite. Devagarinho chega o realismo apalpando as palavras lisas que falam de pobres, lírica, emoção, democracia e de trabalho e da caligrafia rude dos velhos alfabetizados. E o poeta para na fronteira dos textos apócrifos. Ao poeta fecha-se-lhe a boca. E as frases juntam-se-lhe na cabeça aos molhos. E a sua língua arde. E a sua cabeça arde. E as canções antigas vêm-lhe morrer aos pés. E a sua memória acende-se. E o seu corpo enche-se de borbulhas que são palavras doentes. E os verbos pesam-lhe e os adjetivos doem-lhe. A ternura invade-o de fragmentos agressivos. Qualquer diálogo é agora um novo cansaço.