O Poema Infinito (117): a luz e o enigma
A madrugada repousa nas horas que vão subindo pelo rio. E a encosta do monte procura o seu sentido no sossego. Sinto o ritmo dos teus olhos dançando contra a cor dourada da luz filtrada pelas folhas das árvores. Vai ser precisa outra manhã para entardecer de novo. O repouso do rio afeta a claridade do silêncio. Todo este lugar convoca a evidência que repousa nas nossas mãos. Mais uma noite antiga regressa ao futuro. Aparecem-nos os nomes na sua aproximação longínqua. E voam como aves que se aproximam do seu exílio de ar e azul. Todo o pensamento brilha e expende-se sacudindo os campos e as metáforas e a paciência. E a dor oculta-se. Prometo-te que estudarei a origem das enxurradas de luz. E o próprio lume. E a fosforescência dos surtos de energia. E os rumores da chuva. E a paciência da morte. E os alicerces das ventanias. E estudarei as ruínas da civilização ocidental. E ainda a expansão massiva da nossa vacuidade. Sei que novamente as palavras desencadearão tempestades e guerras. Dizes-me: Toda a paciência é sobrenatural. Por isso as cotovias trazem a noite e com ela atravessam a luminosidade dos vitrais dos templos. A madrugada tem ainda mais luz e as nuvens brilham na sua resignação húmida. Lá ao longe os espíritos movem-se rapidamente acompanhando mais uma das infinitas ressurreições de Jesus. E ele brilha dentro do trabalho que continua a ter para ser e parecer humilde. E sofre e ilumina-se, contrariando a intensificação do vento. E os homens estudam a sua condição de girândolas quânticas dispersas pelos grãos de areia do deserto universal. Falo agora deitado sobre a superfície das águas e o tempo varre as palavras que me saem das mãos. E os sentimentos redemoinham enviesados nas suas causas e nos seus efeitos. Velhos artífices tornam lúcido o seu ofício e entardecem com o tempo. E o silêncio torna a estender-se. E o nevoeiro ganha a sua saudosa transparência. E a luz pousa como uma ave. E os anjos voluptuosos analisam a sua inultrapassável velocidade. E partem de novo com tudo resolvido. E a sua velocíssima imagem entra no tempo. E o tempo desfaz-se. Para lá do espaço há sempre mais um bocado de espaço e depois deste outro se lhe segue e outro e ainda outro até as palavras se transformarem em números e serem infinitas. E assim infinitas transformam-se num enigma. E o enigma esconde-se dentro de outro enigma e este esconde-se dentro de outro até serem infinitos e se transformarem em Deus de todas as coisas que também é o Deus de coisa nenhuma. Agora a abundância dos milagres do seu filho multiplica a desgraça dos famintos. E os famintos riem-se, pois estão sempre escondidos dentro das suas necessidades. Deus elucida-os, falando-lhes sempre mais uma vez através do seu filho. E eles escondem-se ainda mais dentro das palavras e dentro dos enigmas e voltam a sorrir. Tal como o Universo e como Deus, também a estupidez é infinita.