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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

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26
Nov12

Pérolas e diamantes (13): cogumelos, amigos e hífenes (ou hífens)

João Madureira


Ora vamos lá por partes. Desta vez pretendemos começar pelos achados. Não pelos candidatos a autarcas perdidos, nem pelos candidatos a autarcas achados, mas sim pelos cogumelos que o senhor José Alves descobriu lá para os lados de Ferral.

 

O valente barrosão deparou-se com um cogumelo que pesava um quilo e quatrocentos gramas. Homem acostumado a estas azáfamas afirmou, espantado, que nunca na sua vida tinha enxergado coisa igual, um cogumelo tão grande. De facto é um achado estranho. Disse-o ele e dizemo-lo nós. E também o expressaram todos quantos viram o cogumelo gigante.

 

O senhor José Alves considera que é importante mostrar às pessoas que as terras do Baixo Barroso são férteis. Parece que por aquelas bandas há muita coisa do género, mas em pequena dimensão. Segundo o feliz apanhador de cogumelos, o enorme fungo comestível vai dar umas “tainadas” jeitosas, cozinhado com bocados de presunto entremeado.

 

Em Vila Pouca de Aguiar, depois do início das chuvadas passageiras do outono, cerca de três mil pessoas iniciaram uma corrida aos cogumelos em diversas manchas florestais do concelho. Cerca de meia centena são apanhadores comerciais.

 

Segundo veio nos jornais, a quantidade de cogumelos recolhidos pode atingir as quatro toneladas e render cerca de quarenta mil euros por época. E a escolha é diversa. Pode ser o popularmente conhecido como frade ou roque (“macrolepiota procera”), o nosso conhecido tortulho (“tricholoma esquestre” e “tricholoma terreum”), o distinto níscaro (“boletus edulis” e “boletus pinophilus”), a modesta sancha (“lactarius deliciosus”), a aprazível língua de vaca (“fistulina hepática”) ou o trivial cantarelo (“cantharellus cibarius”).

 

Têm os estimados leitores de convir que até os nomes científicos dos cogumelos são graciosos e agradáveis, quase tão saborosos como os próprios míscaros que guisamos com carne e comemos à mesa aquecidos por uma boa lareira e por um tinto de Valpaços.

 

Ora pronunciem comigo em voz alta: “macrolepiota procera”. E repitam “ma-cro-le-pi-o-ta pro-ce-ra”. [E desculpem lá a hifenização. Sei que os hífenes, (ou hífens, escolham à vontade) pelo menos estes, não fazem parte das palavras do latinório científico. Limitei-me a utilizar estes tracinhos pequenos para dividir as duas palavras em sílabas. Mas se não estiverem conforme a lei, conformem-se, pois eu esmifro-me tanto, mas mesmo tanto, a pensar no que os outros pensam acerca do que eu penso que não só me atrapalho a teclar nas teclas como dou volta ao teclado e teclo tantas vezes no hífen que me atrapalho no travessão e “estouque” me atrapalho tanto que chego a atrapalhar o estimado leitor, ou leitora.]

 

Veem que bonito. Bonito e erudito. Em vez de dizerem que cearam tortulhos, e sem tracinhos, experimentem explicar na vossa roda de amigos, ou conhecidos, que ao jantar saborearam uns “tricholomas esquestres” e “tricholomas terreuns”, libertos de toda a hifenização, por isso mesmo saborosíssimos, e vão ver que eles, os vossos amigos, não os cogumelos, e muito menos os hífenes, ou hífens, ou tracinhos, pois para o caso tanto monta, porque não se manducam, além de ficarem a salivar como o cãozinho de Pavlov, passarão a admirar-vos ainda mais pela vossa graciosa sapiência. E também porque não são ingénuos ao ponto de deglutirem os hífenes (bifes?) como o cão fazia aos tracinhos (ossos?). Se é que lhos davam, claro está.

 

E a seguir podem diversificar, explicando, por exemplo, que lancharam umas atraentes “fistulinas hepáticas” panadas com pão ralado ou com omelete de ovo de galinha garnisé. Se por lá estiver alguém que sofra do fígado, evitem pronunciar o termo “hepática” que pode levar à indesejável associação com a doença e estragar de imediato o efeito surpresa e a digestiva conversação. Podem limitar-se a utilizar apenas o termo “fistulina”.

 

Para prolongar o efeito, e os convivas não se aperceberem de que os estimados leitores apenas pronunciaram a primeira parte do nome científico do cogumelo, pois, de certeza que já descobriram que têm sempre dois, digam, simplesmente, que degustaram umas “fistulinas” embebidas em ovo de galinha garnisé. E se algum deles, mais atrevido, perguntar “fistulinas” quê?, para se dar ares de entendido, respondam-lhe dividindo a palavra “fistulina” em sílabas para colocar a esperteza do insolente no seu devido lugar. Tipo: Não percebeste? Eu torno a repetir: “Fis-tu-li-na”, (e ainda mais devagar) “fis-tu-li-na” embebida em fina e amarela omolete de ovo de galinha garnisé. Entendeste agora direito ou queres que te faça um desenho? Aqui chegados, podem ter a certeza de que o atrevido já meteu a viola no saco.

 

Por exemplo, eu, por altura dos Santos, em amena cavaqueira com alguns amigos que já não via há muito tempo, e que por acaso até estavam com outros amigos que presentemente estão ligados à política, experimentei dar um arzinho da minha graça e, para fazer conversa e ficar bem visto por gente tão distinta e ilustre, pois os meus amigos que por cá encontro nos Santos são todos ilustres e distintos, daí o conhecerem políticos, mas, como ia dizendo, experimentei pôr cara de entendido e, enquanto eles falavam de marisco, champanhe, bifes, hífenes, caviar, salmão fumado e bombons, eu, mais terra a terra, e para não me ficar atrás, pois já me basta ter quedado a penar aqui pela província enquanto eles se pavoneiam pelas distintas metrópoles lusitanas, introduzi na conversa, com o meu ar de transmontano de província que não saiu da província e por isso mais provinciano é, os cogumelos. E fi-lo do jeito que vos passo a contar.

 

Com um ar entre o indiferente empenhado, tipo o nosso estimado vice(hífen)presidente António Cabeleira, e o jovial insonso, género o do senhor presidente fantasma João Batista, olhei para o grupo e disse com o ar mais casual possível: «Ontem à noite entremeei umas “macrolepiotas proceras” que me souberam pela vida. Pu-las nas brasas até ficarem no ponto, polvilhei-as com umas pedrinhas de sal grosso, reguei-as com um fiozinho de azeite e estendi-as virtuosamente numa travessa muito antiga que a minha avó me deixou. Numa frigideira, também das antigas, fritei um pouco de presunto, cortei pão centeio às rodelas, enchi uma caneca de vinho e, sentado no escano e de pernas abertas para a lareira, ceei como já o não fazia há alguns dias.»

 

Bem, eles olharam para mim com um ar tão guloso, mas mesmo tão guloso, que até me deu pena. Claro está que apesar de se alimentarem de coisas finas e boas, quando ouvem falar de presunto, de pão centeio e de vinho tinto da região, acende-se-lhes um desfastio no estômago que se transmite aos luzeiros, pois ficam logo com uma claridade nostálgica que dá aflição. Claro que, apesar de conhecerem os frades, ou roques, ou rocas, não sabem o que são “macrolepiotas proceras”. Mas como são do tipo orgulhoso, também não perguntam. Ninguém gosta de dar parte de fraco. Muito menos eles que são cultos até dizer chega. Só que ninguém sabe tudo.

 

Como os vi tão ougados como crianças, mas tão altivos como o Pedro Passos Coelho que é incapaz de, mesmo tendo a plena consciência de que a sua política falhou, reconhecer que errou e arrepiar caminho, resolvi levar o meu exercício mais longe e, à minha maneira altruísta, pus-me com a seguinte conversa: «Hoje vou preparar uns “boletus edulis” e uns “boletus pinophilus”, com carne de javali. Tudo no pote. Vou acompanhar o petisco com batatas barrosãs e tinto de Barreiros. Requintes destes só cá na terra é que se encontram. Eu misturo os “boletus”, porque os “edulis” têm um travo mais espontâneo que os “pinophilus”, que são mais suaves. Dos dois sabores combinados, resulta um terceiro que é uma magnífica síntese entre a natureza e a cozinha tradicional. Há muita gente que gosta de misturar sabores. Enfiam tudo dentro da panela e depois comem à bruta. Mas a verdade é que, por exemplo, os “cantharellus cibarius” não ligam muito bem com os “boletus”, especialmente com os “boletus edulis”, pois intensifica-lhes o sabor agreste. Por isso, devem misturar-se com os “boletus pinophilus”, ou com os “tricholomas”, de preferência o “tricholoma esquestres”, pois os “tricholoma terreum” também têm tendência a acidular um pouco a mistura.»

 

No fim da preleção, os meus amigos mais amigos, riram-se e os outros riram-se porque viram rir os primeiros. Já os nossos amigos políticos, ou afins, riram-se porque é o que costumam fazer por tudo e por nada. Menos o nosso vice(hífen)presidente da câmara, honra lhe seja feita, que apenas sorri quando a sua assessora de imagem lho pede lembrando-lhe que quando a sua cara sai a ilustrar as notícias dos jornais tem de estar sorridente.

 

E tudo isto porque depois dos cogumelos vos queria falar de nabos e, por junto, dos motivos porque quatro presidentes em fim de mandato já andam a lutar para ver quem se vai sentar na cadeira do poder que o Relvas lhes está a aprontar. Mas como a crónica já vai adiantada, fica para a semana.

 

 

PS – Por favor, senhor presidente, apareça. Olhe que continuamos impacientemente à sua espera. 

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