O Poema Infinito (134): o cavalo de sangue
Um cavalo de sangue galopa dentro do meu corpo fazendo do meu coração uma montanha vazia. Sou alguém que se perdeu no musgo denso das estrelas. De repente fico com a boca iluminada e inclino-me para a clareira densa do teu sexo. Todo o amor é uma loucura que o delírio purifica. Por isso é que o sémen é uma constelação densa. Por isso é que o silêncio arde nas nossas bocas que tremem e sussurram palavras reanimadas. Sinto a tua fragilidade dentro da minha fragilidade como se fosse uma estrela branca. O teu sorriso é de novo uma linha renovada. O espaço transforma-se de imediato num círculo vazio onde todas as imagens se reúnem para nascerem de novo. E eu nasço com elas. Por isso, o meu corpo é uma flecha de murmúrios. Estou cada vez mais cercado pela espessa nitidez do teu olhar. E nele me afogo. Deus é um satélite do tempo que procura a sua identidade na ignorância imprevisível do desastre. A vida é um ponto vazio de sons e sombras onde germinam os abismos da matéria. As aparências apagaram-se-me dos olhos. As aparências apagaram-me os olhos. E as coisas oscilam e concentram-se e dilatam-se. E vacilam. Sou outra vez uma criança brincando na parte inacessível dos sonhos. E surpreendo-me com a inocência aberta do desejo. Por isso tudo se incendeia à nossa volta: o silêncio, o vento, as variações do dia, as tempestades do esquecimento, a terra árdua dos equilíbrios. A ausência. Toda a ausência é uma sombra dentro de outra sombra e esta dentro da claridade, daí as páginas se incendiarem com a criação e a destruição da poesia. Por isso as palavras sufocam nas gargantas dos humanos. Por isso todas as imagens ficam suspensas. Por isso a linguagem se apaga dos livros onde foi presa. A arca da aliança gravita na pobreza nua da verdade. Os nomes caminham pela senda dos bichos. A nossa forma animal estende-se para o futuro e acorda o desejo. O cavalo de sangue continua a correr dentro do meu corpo. Sinto-lhe o silêncio dos nervos. Por muito que galope nunca encontrará a fluência dos versos límpidos, nem as palavras de angústia, nem a vertigem das lágrimas. Aves frias trazem o som do silêncio e deixam-no cair no meio de gestos em chamas. As palavras caminham ávidas de corpos e de gestos e de delírios. As evidências crescem-nos na garganta. Trago nos olhos as marcas do deserto. Máscaras de água gritam a sua paixão líquida. Surge de novo o cavalo de sangue com a sua aflição milimétrica, com a sua limpidez única, com o seu fluxo de fúria. Do lado forte da vida brilham os declives como referências de paz. A mão prolonga a distância. É essa a fascinação do vazio: a longínqua proximidade do adeus. Os nossos corpos revelam-se na infinita contemplação da beleza. Por isso, o cavalo de sangue continua na sua incessante teimosia. Na sua incerteza exata de felicidade. Na sua passagem para um outro corpo imprevisível. A inocência mora tão longe que já não a conseguimos reaver.