O Poema Infinito (135): fogo
A luz profunda das lareiras funde as labaredas e aprofunda os rostos das mulheres que ficam perpendiculares como sexos reluzentes. E as mulheres ficam abismadas dentro dos seus olhares diretos. E gemem. E ciciam. E absorvem as radiações dos astros centrais que se entretecem no âmago das constelações da carne. E os seus membros ligam as estrelas. E agitam-se vibrando dentro das suas fibras repletas de desejo e abandono. E os seus sexos abrem-se e as suas bocas flamejam e tudo se incendeia e os seus rostos tornam-se circulares e respiram e os lençóis brilham e os corpos arrepiam-se e giram. As flores nos canteiros estremecem e sorvem os suspiros subterrâneos daqueles que se amam dentro da sua loucura imensa. E o prazer sopra todo o seu oxigénio e clarifica os órgãos agora afinados pela dor e pela paixão. As habitações supersticiosas navegam atónitas pela noite. E os corpos descansam envoltos na sua doçura e na sua febre momentânea e no seu medo sombrio que se agrava com os limites da luz. O mundo pesa. A memória dói. Por isso a infância se torna imóvel e fica estranha como uma doença. Não é fácil usar o medo como substituto da paixão. Por isso o mundo escurece dentro das nossas mãos como se fossemos buracos negros e as nossas imagens incendeiam-se dentro dos espelhos. Sentimo-nos como crisálidas presas dentro de estrelas. Afastamos as nuvens do tempo com as mãos e tudo se incendeia de novo. Enxames de astros circulam em roda da nossa infância e a espuma atravessa todas as fotografias e os ecos das primaveras atravessam a infância como planetas de fotões que retêm o mundo dentro da sua lógica material. Os olhos dos amantes tornam-se secretos e fecham-se dentro da sua perfeição de lágrimas ávidas de abismos. As labaredas soltam-se e o poder do fogo agarra-se às mãos dos homens e das mulheres que se amam dentro dos vórtices dos seus quartos e agarram todos os instantes dos seus orgasmos velozes e depois adormecem ateados pelas chamas das árvores que agora aquecem o seu sono. Os rostos que dormem tornam-se soberanos. A claridade evapora-se. Os abismos ascendem e gemem dentro da sua poderosa violência astrológica. Reparo agora na nossa elegância de mamíferos lívidos. Fotografo-te de bruços e lembro-me do genial movimento dos teus membros e das tuas asas de prazer e do teu rosto rápido que flutua no meio das constelações das labaredas que dançam e mergulham na luz e irradiam astros e se desorientam quando te entram nos olhos fixos. O meu sexo é de novo um poema que gravita em redor do teu sexo. Todo o teu corpo se transformou num sistema planetário. Eu flutuo no centro dessa constelação. E o teu corpo turva os astros. Brilha na noite a arte secreta do adeus. A fogueira extingue-se. Por fim sonhamos que o mundo é um lugar de silêncio e calma. O nosso sonho já rola pela noite com o que ficou em nós das labaredas de luz. Descansemos.