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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

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03
Abr13

O Poema Infinito (140): insustentabilidade

João Madureira

 

Resplandeço na voragem da tua boca. Arrancas de mim um espasmo de estrela e sorris com esse teu olhar de deusa verde e cintilante. Toco nos teus arcos do desejo, na tua ponte de mel, na tua hemisférica colina vertebral. Por isso amo o tremor das tuas veias e a frémito das tuas pestanas e o teu cio. E o teu ciclo vulvar. A tua roupa vibra. A noite avança. Dançamos atraídos pela força das canções venenosas. As casas flamejam dentro do seu frio secreto. Deus é atraído por pequenos átomos diamantíferos. São esses os seus laços de pedra. Respiramos feixes de luz. Enlouquecemos dentro das estrelas expelidas pela morte. Amamo-nos dentro da crueza dos nossos corpos. As nossas bocas refletem todos os jardins onde estivemos. As casas são agora precipícios que queimam as memórias quentes dos aspetos. Os corredores brilham encadeando-se como os animais na procriação. Nunca vimos esta água alumiada pelas paisagens que sopram nas nossas janelas. Olhamos o centro do mundo e tocamos no fundo das memórias. O mundo para ser nosso tem de ser uma coisa sonora. Tu és o meu laço de carne. Salto dentro da tua insónia e prendo-te dentro do meu horto de espelhos. Incendeio-me interiormente concentrando-me no mar côncavo do teu desejo. Houve tempo em que fomos ginetes ferozes que se incendiavam pela paixão e pela dor que nos conduzia aos precipícios. Agora fechamos os planetas e os espelhos e as casas e os abismos atómicos. Apesar dos eclipses, os astros não adormecem. Como crianças, damos a volta à noite completamente acesos. Despedimo-nos das giestas inesperadas e da sua iluminação estranha. Espalhamos a eternidade dentro de um instante. Somos a sua corrente oculta, a sua absorvente melancolia. Dizes: Gosto dessa tua ironia doce que toca no fundo dos segredos mais altos. E eu dou-te um beijo com a minha boca subtil. O teu olhar tem a beleza descendente do mar e a glória excelsa da dor. As tuas mãos são monumentos de inspiração. Os teus gestos são rios misteriosos. Comoves-me com esse teu sorriso enigmático. Ardo devagar, como as velas. Essa sempre foi a minha aprendizagem da paciência. E eu sou tão impaciente. A eternidade é o segredo mais lento do universo. O imprevisto silêncio do mundo alimenta todas as dúvidas e incendeia todas as certezas. Procuro-te dentro da tua voz e entre o estremecimento dos salgueiros. E também através do brilho imaturo do centeio. Os homens crescem dentro da sua solidão e acordam pousados na sua incerteza de lua surpreendida. Todos os gritos são marítimos porque foram desde sempre invadidos pelas ondas. Incendeias-me com o teu espírito florido. Ergues-me dentro do teu olhar. Pousas em mim com o teu silêncio que tem a imensidão da terra. O tempo contorna a nossa vida breve e pressente o nosso espírito atrapalhado. O tempo é uma imagem fechada dentro da sua voz monótona. Beijo em ti a vida que rebenta das amoras, o manso altar do desejo, o sentido antigo dos espantos, o instinto manso do pudor, a tradição alegre dos gládios, a distância doce da música, a loucura salgada dos oceanos, a distância espantada das mães, o rigor inspirado das sombras, a malícia da brandura, a verdade da água, o ciclo eterno da beleza, a rarefação das auréolas, a profundidade da noite, a voz renovada da natureza, a aprendizagem do vento, o minuto sobrenatural do fogo, a brisa florescente dos pinheiros, o instinto bárbaro do fulgor e o frágil instante da vida. Confesso: A cada êxtase teu extingo-me mais um pouco. Morrerei contigo amparando-me na tua voz. A cada espasmo. Por isso o tempo é insustentável. 

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