Pérolas e diamantes (45): a realidade, essa meretriz!
As manifestações públicas, que alguns denominam de comícios, apesar de entusiasmarem muita gente, a mim dececionam-me. Não porque falte veemência aos discursos dos tribunos, mas porque, no fim, quase sempre as pessoas que enchem as praças se separam e vão para suas casas com uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma.
Alguns, os mais entusiastas, vão em pequenos grupos para os cafés, ou para os bares, sem outra perspetiva visível, a não ser a de participarem num novo comício, daí a uns tempos.
Os esquerdistas, mais molengões, entusiasmam-se com a sua eterna predisposição para perorar sobre as reivindicações das minorias oprimidas ou, então, sobre os alienáveis direitos dos animais, evitando admitir que, afinal, estão aterrorizados com a verdadeira pobreza dos pobres.
Eu, para mal dos meus pecados, alinhavo mentalmente alguns apontamentos, e irmano-me com Lou Reed no seu “walk on the wild side”. E o resto que se lixe.
Só que, para mal dos meus queridos amigos detratores, enganamo-nos quase sempre com a sorte. E também com o destino. A bem dizer, enganamo-nos com quase tudo. Menos com a verdade. A nossa verdade.
Eu, para mal dos meus pecados, já tive esta interminável discussão para aí um cento de vezes com esses meus queridos e estimados amigos detratores. Eles acenam sempre com as suas cabecinhas pensadoras e sorriem como hienas amigas. Por isso é que tudo fica sempre mais ou menos na mesma. Eles no seu sorriso. Eu na minha teima.
Eles, como solidários e seguros aliados que são, e sempre foram, pois conheço-os há muito, muito tempo, avisam-me sempre: “O mundo é cruel”.
«Eu», lastimável como sempre, limito-me a responder-lhes com a minha casaca virada: “Sim, o mundo é cruel, mas vende todo o tipo de anestesia a quem pode pagar por isso.”
Então «eles» contrapõem: “Não existe o «eu». O «eu» não passa de ficção. De ficção presunçosa. Nós (querendo dizer «tu»), não somos nada.”
Eu então tento sorrir e penso no que a minha avó me dizia: “É melhor não ser nada do que parecermos figuras de estilo, sempre com um sorriso no rosto e uma mentira nos lábios.”
“Tu não sorris?”, perguntam-me esses diademas da alma, esses tartufos do acolhimento. Eu respondo-lhes que os magros não arreganham os beiços.
“Olha a realidade”, avisam-me essas bonecas da metafísica ou esses duendes rubicundos ou esses antónios nobres frustrados e melancólicos ou esses serviçais de província ou esses bardos inconsequentes ou esses calados do regime ou esses reformados do sistema ou esses meninos das trotinetes. E eu olho-a.
E a puta da realidade, essa meretriz verdadeira e íntegra, sentada confortavelmente no seu conhecimento, confessa-me: “A minha vantagem é não ter ninguém atrás de mim manipulando interpretações que não passam de más notícias sobre a minha pessoa.”
A verdadeira história, para ser verosímil, tem de possuir um final coerente. Não basta apenas confiar na falsa verdade que nos contam. A verdade que eu protagonizo tem de ter a minha própria história e não a dos outros. A minha, não a vossa. A minha. A ver se entendem de uma vez.
A verdadeira sabedoria reside em conseguir tirar o máximo do mínimo.
E aos heróis da cobardia e do disfarce e aos campeões da ignomínia respondo com duas locuções romanas: de minimis non curat praetor (uma pessoa importante não se ocupa com ninharias); aquilae non gerunt columbas (uma pessoa perversa não é capaz de praticar atos virtuosos).