O Poema Infinito (161): exílio
O espaço expande-se em cima dos nossos nomes, dos nossos corpos, dos nossos sonhos e dentro dos nossos olhos, como se eles fossem o mundo inteiro. Vemos passar o tempo com o mar feliz dentro. Escutamos a sua pulsação. O seu desencanto. Ficamos presos na sua letargia. A brisa inscreve-se dentro do mar e escuta o seu ritmo. O ruído inscreve-se dentro do silêncio prévio. Todas as formas são epifanias do concreto. Talvez as águas nos façam chegar a alegria líquida das palavras. A manhã trepa a sua escala de claridade e abre a sua sabedoria ao mundo. É dessa luz que se faz o sofrimento. E a alegria. O tempo brilha na lentidão da madrugada e orienta-se pela demorada progressão das sombras antigas. A transparência regressou na sua profundidade cristalina. A luz delimita os termos dos objetos. As nuvens fixam-se no céu e modelam-no com a sua gama de matizes. A natureza fica estática. Os sítios abrem-se. As palavras pulsam. O esquecimento lembra-se das cheias que vinham de poente, quando o tempo sofria com as tempestades das palavras que abatiam as imagens e os signos. Sucumbimos à solidão doce da noite onde as árvores sofrem. São longínquas as figuras que dobram as trevas. Os corpos insinuam-se. A infância transforma-se num distúrbio alegre. Nela se estende a nitidez surda do passado. Prolongam-se os bosques e os prodígios. A paixão forma-se devagar dentro das imagens esquecidas. As aves oferecem-nos a rapidez dos seus voos. À tarde, a eternidade aperta. Os vagares tornam-se acústicos. A tristeza torna-se visível na alegria. Os montes esquecem os povoados. Os nossos olhos medem a solidão dos outeiros. Os anjos passam abstraindo-se do silêncio. O tempo voa alto. O tempo desfaz as almas. O tempo reconhece a orientação dos rios. Sofremos com os atalhos dos sentidos. E com o ócio do azul. E com a imensidão do mar. E com a lenta progressão das palavras. O universo roda à procura do seu declínio. Tu és a minha causa. Eu sou o teu efeito. O verão arruma as nuvens, difunde o brilho do sol, estende o calor contemplativo. Todo o esplendor é um indício de ausência. Por isso, as imagens oferecem apenas o seu júbilo redondo. Encaramos o infinito, pois sabemo-lo inundado de fogo e fulgor. A linguagem é o nosso exílio permanente. Saboreamos a gentileza amarga da velhice. A luz expõe a solidão deserta dos objetos. Sonhamos com a limpidez do inverno. Com o seu frio dourado pelo sol. Com o tempo a trepar-lhe pelo tronco. Os rostos recuperam a sabedoria da transparência. Os corpos tornam-se abstratos e o seu vagar contamina os espaços. Os verbos deduzem a impotência dos textos. As imagens tornam-se vivas e caminham sobre os indícios da luz. As ideias esperam pela sua melodia analítica. Sofro com a alegria. Escuto o silêncio dos espaços. A infância brilha de novo. Sinto o seu júbilo e o seu pranto. Esqueço as palavras. O silêncio traz outro silêncio. As almas ficam incandescentes. Todo o rigor é concreto. A escuridão torna-se implícita. Já ninguém ouve as palavras de luz. Todos os nomes crescem e morrem dentro do seu exílio. O mundo acolhe as palavras sacramentadas pelas águas. O exílio é o lugar onde se debruça a paciência. A harmonia dissemina o tempo. A luz mata as imagens. A tua boca brilha. As sombras matutinas ficam longas. A manhã imobiliza-se. Todos os instantes se perdem queimados pelo tempo. O mundo alonga-se. O crepúsculo bate as suas asas douradas. O mundo é agora um exílio de claridade esfumada. Sinto a loucura a descer com a noite. A solidão fica sem margens. A história repete-se. A história. A.