Ali e a semiótica
O meu amigo Mário revelou-me que anda triste porque agora já não consegue encontrar indivíduos. Confesso-vos que não percebi bem o queixume. Eu sou mais terra a terra. Ele é que gosta de pensar sobre o que os outros pensam ou não pensam, sobre o que significam determinadas palavras fora do contexto ou dentro dele, de refletir sobre a arbitrariedade das ideologias totalitárias ou sobre a indiferenciação ideológica e política que atravessamos. Fora isso, é até bom rapaz, um eficaz chefe de família, um atinado adepto do F. C. Porto e um rigoroso praticante de desporto, nomeadamente das corridas de karting. Na segunda-feira passada abandonou na mesa do café os seus amigos mais chegados. E isto porque, segundo o próprio, sendo todos de orientação política, futebolística e religiosa diferente, agora estão sempre de acordo. Parecem parvos, diz ele para quem o quer ouvir. Atualmente dizem e defendem todos o mesmo. E repete muitas vezes a frase: “Cada vez existem mais pessoas com as mesmas ideias.” E isso é assustador. Eu também acho que é. Mas penso que não é motivo suficiente para abandonar a mesa das suas amizades. Mesa que frequentou e animou durante 20 longos anos. Foi ali que debateu a questão da semiótica do marxismo, a tática e estratégia da guerra do Iraque na perspetiva de um chinês xintoísta, a liberdade aparente dos ricos, a penúria simbólica dos deputados europeus, a ontologia das operações matemáticas, a liberdade sexual em contexto cibernético, o direito internacional dos cães de caça, a influência da cor dos olhos na reprodução assistida, a importância da linguagem no crescimento dos antúrios e por aí fora, passando pela requalificação da Galinheira, o simbolismo da curva do Caneiro, a inteligência sofisticada dos embriões dos caracóis e o egocentrismo das estrelas-do-mar. A mãe do Mário disse-me que o filho falou na sua barriga, quando andava grávida de sete meses. Por isso ele é tão predestinado.