Céu muito nublado
– Não vás com tanta velocidade.
– Achas que sou oligofrénico?
– Não. Nem por isso. Mas o que é que tem isso a ver com a velocidade?
– Tudo tem a ver com tudo.
– Não sei se és oligofrénico ou não. Tenho a certeza é que aceleras muito dentro das cidades.
– Só dentro das cidades?
– E fora delas. Tu aceleras em qualquer lado.
– Mas achas mesmo que sou oligofrénico?
– O que tu és é maluco.
– Então achas que sou mesmo oligofrénico.
– O que tu és é um chato.
– Modera-te. Oligofrénico sim, chato nunca.
– Que nuvens tão escuras.
– Não disfarces.
– Vem aí uma trovoada das grandes.
– Não desvies a conversa.
– Deixei a roupa a secar na varanda e vai molhar-se toda.
– Eu preocupado com a minha oligofrenia e tu pensas só na tua roupa! És uma ingrata.
– A roupa também é tua e dos garotos. E a ingratidão tem as costas largas.
– Tens razão, as nuvens são mesmo ameaçadoras.
– Eu não te disse?
– Achas que sou mesmo oligofrénico?
– Não, não acho. O Mundo é que não te compreende.
– Assim está melhor. Mas não dizes isso só para me agradar, pois não?
– Não.
– Não?
– Não.
– Escusas de ser tão evasiva.
– Eu não sou evasiva, sou sincera e curta de palavras.
– Então achas que não sou oligofrénico? Não dizes nada?
– Vai mais devagar que isso passa. Temos muito tempo para chegar.
– Mas não disseste que querias chegar a casa rapidamente para apanhares a roupa que se pode molhar?
– Que se lixe a roupa. Eu quero é chegar a casa tranquila e inteira.
– Achas que sou oligofrénico? Achas ou não? Diz a verdade.
– …
– Está bem, eu vou reduzir a velocidade. Começou a chover. Eu gosto da chuva. E tu?
– Olha, liga o rádio.
– O teu basta.
– Achas que sou oligofrénico?
– I’m singing in the rain…