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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

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10
Fev14

Pérolas e diamantes (75): o tempo dos desalmados

João Madureira

 

O poeta inglês Coleridge disse que a fé poética é a suspensão da incredulidade. A encenadora Beatriz Batarda, nestes tempos de prosa dura, vai um pouco mais longe ao afirmar que lhe parece que as palavras já não chegam para definir, ou enquadrar, tudo o que estamos a viver.

 

Parece que a “Corte” (o governo, o presidente e o parlamento) existe para unicamente servir o poder e não os cidadãos. Beatriz Batarda exprimiu, e eu subscrevo por inteiro, “que a nossa sanidade está em risco”.

 

Entretanto os portugueses continuam indecisos entre se devem ser, ou não, ativos na delineação do seu caminho, e do caminho do país, insistindo numa posição demissionária e afastada, responsabilizando sempre os governantes e desconsiderando o poder individual que possuem. 

 

Claro que nem eu nem o estimado leitor sabemos bem qual o caminho que esta rapaziada do governo nos propõe ao sujeitarem-nos a tanto sofrimento, mas já sentimos bem toda esta ausência de orientação, todo este vazio de ideais, todo este silêncio da pobreza que está a vir ao de cima como uma enxurrada. 

 

A verdade na política, tal como na vida, pode até não existir, mas necessitamos de acreditar que existe e que é possível encontrá-la.

 

Eu sou daqueles que não subestima a capacidade dos outros nos entenderem da forma que somos: tendenciosos, irados, emotivos, entusiastas, racionais, irónicos e persistentes.

 

Mas a realidade não nos faz favores. Afinal quem é o culpado de todo o silêncio que se ouve nas nossas aldeias, interrompido por vezes pelo sino das igrejas a tocar, ou pelo ladrar de um cão, também ele já velho e rouco, ou pelo suspiro cansado dos idosos que se aquecem nas nesgas de sol das ruelas estreitas?

 

E ali estão eles tristes, resistindo e olhando para a beleza bravia das giestas, das urzes, dos tojos e das carquejas, cobertos ainda por algum orgulho de terem a mesma idade das árvores velhas que lhes deram os frutos e a lenha com que alimentaram e aqueceram os filhos.

 

As velhas tascas rurais são agora pequenos snacks com mesas de fórmica onde se bebe cerveja e se vê televisão.

 

As casas foram abandonadas e as ervas crescem entre as ruínas. As capelas estão fechadas e por ali apenas mora a solidão. São aldeias fantasmas onde muito de vez em quando, como um raio de sol no inverno, se vê uma criança a correr atravessando a rua. Um pouco mais à frente vislumbram-se mais alguns velhos que riem para fora e choram para dentro.

 

Quando falam nota-se-lhes uma enorme resignação nas palavras. Ali não se passa nada. Apenas, por vezes, as manhãs são claras. Ali tudo possui a indiferença e a lentidão da morte. Tudo ficou de repente demasiado velho, demasiado triste. As sombras tomaram conta das nossas aldeias, do nosso território, das nossas vidas.

 

Por ali a voz humana já não tem lugar, já não faz sentido. Ali murmura-se. Ali já não há namorados, nem corpos sadios que se possam amar e reproduzir.

 

Nas cidades, cujo paradigma é Lisboa, foram as pessoas menos responsáveis, mais egoístas e gananciosas, as que atingiram o poder e agora sobem na sua improvisada carreira.

 

E continuamos com os jeitinhos, rejeitando as soluções duradouras, não querendo ver que as questões atuais são tipicamente universais. Tanto na província, como na capital, os políticos continuam a insistir em procurar soluções de curto prazo.

 

E chegamos ao cúmulo de “socializar” as perdas do setor financeiro, enquanto se “privatizam” os lucros do Estado.

 

As nossas “elites” políticas são as mais medíocres de sempre, pois limitam-se a dar lições sem dar o exemplo.

 

Ensinaram-nos a dizer que nós não somos a Grécia. Aos espanhóis ensinaram-lhes a dizer: nós não somos como os portugueses. Os italianos aprenderam a dizer: nós não somos espanhóis. Por isso é que os “senhores financeiros” que mandam realmente no mundo sorriem imenso. Por vezes até às lágrimas, para pensarmos que estão comovidos com a nossa situação.

 

Essa é a razão pela qual o discurso político é uma mentira premeditada, uma evasão semântica, uma ambiguidade vulgar e anacrónica. O nosso governo exerce um poder informe, esquivando-se à realidade do sofrimento e da desgraça, falando por meias palavras, mas caraterizando-se por obedecer cegamente aos ditames da Alemanha e dos seus correligionários.

 

Uma coisa é certa e sabida, esta rapaziada que tem agora os destinos de Portugal nas suas mãos, desconhece quem somos, o que somos, abomina a nossa identidade e tem vergonha da nossa cultura.

 

Por isso é que desinveste na saúde e na educação, persegue a investigação e os investigadores portugueses e maltrata a cultura.

 

Porque sabe que a educação e a cultura são os espaços nobres onde se multiplicam os princípios e os direitos humanos e também o ideal democrático. 

 

Estes nossos governantes, quer autárquicos, quer nacionais, simplesmente não possuem ética, não têm convicções, nem responsabilidade. Limitam-se a querer o poder pelo poder. Estão incrustados nos órgãos de decisão e vivem num regime de sucessão eterna, quase dinástico, opressivo mesmo.

 

Estes políticos não têm honra nem dignidade. Não têm orgulho.  Não são homens de Estado. São, quando muito, como diz o fundador do PSD, Miguel Veiga, “políticos de aviário”.

 

De facto, “vivemos tempos desalmados”. 

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