Pérolas e diamantes (83): perigosa fantasia
Numa entrevista ao Dinheiro Vivo do DN, o presidente do conselho de administração da Zon Optimus, Jorge Brito Pereira, antigamente um “esquerdalho”, confessou-se profundamente envolvido nas privatizações e nas mais recentes polémicas em torno disso mesmo.
Disse considerar-se de esquerda, mas apenas nas questões de costumes, pois acha “por exemplo inacreditável que haja sequer polémica sobre os homossexuais poderem adotar ou casar. Já quanto à coisa pública, defende que quanto menos o Estado se meter na economia, melhor.
Ou seja, nos tempos que correm, a direita é de esquerda em matéria de costumes. Vícios privados, públicas virtudes.
Para o ex-esquerdalho, não é estranho “querermos liberalizar a economia”, pois “são opções políticas dos outros Estados e do nosso”. E afirma com eloquência: “Dinheiro é dinheiro e é dinheiro”. Esquecendo-se, talvez de propósito, que as pessoas são pessoas e são pessoas. Por mais que ele as queira ver empobrecer.
No fundo, o povo é a única força verdadeira, pois representa as nossas virtudes e o que temos de fraco ou mesmo mau. Apesar disso, somos consistentes nessa nossa atitude.
Já as nossas elites apenas se preocupam com um único aspeto: o do ganho pessoal. No nosso país, ao contrário de muitos outros, as pessoas muito ricas não contribuem com um tostão que seja para o bem comum. Nunca o fizeram, nem o vão fazer. É triste, mas é real.
Com a nossa adesão à Europa, foram os ricalhaços aqueles que tiveram verdadeiramente o poder e receberam fisicamente o dinheiro.
Foram eles, e os governantes seus serviçais, que em vez de encaminharem essa riqueza para o bem comum, canalizaram-na para os grandes empreiteiros, para a banca, para a indústria efémera e para a ideia peregrina de adquirir o luxo.
A existirem criminosos, e estamos em crer que sim, é no meio dessa seita que os podemos encontrar.
Queiramos ou não, a nossa história é feita sempre de oportunidades perdidas. Umas atrás das outras. A verdadeira mudança, porque muitos de nós lutámos e esperávamos, afinal nunca se cumpriu.
A nossa história é a de um contínuo falhanço. E isto porque, como uma vez disse Novais Teixeira a José Rentes de Carvalho, sobre a oposição ao antigo regime: “A oposição portuguesa tem razão, mas não tem mais nada.”
Atualmente a história repete-se. Até porque tanto o poder como a oposição convivem numa osmose mal disfarçada, pois são vinho da mesma pipa.
As medidas impostas pela troika não foram objeto de deliberação em nenhuma estrutura democrática. Foram, pura e simplesmente, impostas.
Foram os tecnocratas das três instituições que a compõem que impuseram a austeridade apontando uma pistola à cabeça do governo e dos portugueses. Essas medidas nem sequer foram discutidas democraticamente nas instituições europeias.
As decisões foram-nos impostas sem base jurídica e isso levanta um sério problema, porque aos países em causa não lhes foi permitido qualquer tipo de escolha. Ou melhor, a escolha foi: ou aceitam o memorando ou não têm ajuda.
Mas nesta jogada também existe uma história um pouco maquiavélica protagonizada pelo PSD. Esse partido, à altura na oposição, quando resolveu juntar-se à negociação do memorando por parte do então Governo demissionário de José Sócrates, meteu ao barulho uma pessoa chamada Eduardo Catroga, que tudo fez para endurecer de forma substantiva o memorando, com o apoio tácito de Durão Barroso.
O Chefe da Comissão Europeia modificou deliberadamente os critérios de cálculo da dívida portuguesa, o que resultou num défice maior que, por seu lado, originou a imposição de medidas mais duras do que as previstas.
Não contentes com este estado de coisas, os atuais governantes aplicaram ainda medidas mais duras do que as exigidas pelo memorando. Pelo meio estabeleceu-se uma nuvem pouca clara de interesses, como é disso exemplo paradigmático a privatização da EDP.
Daí resultou que o negociador do PSD com a troika está agora à frente da EDP privatizada, hoje detida pelos chineses. Por alguma coisa, o atual governo é considerado pelos políticos conservadores e pelos especuladores financeiros, como o melhor aluno da troika.
A crise atual, por muito que custe aos políticos neoliberais, não é apenas económica, como defendem, é também política e tem até implicações morais.
Uma Europa em que existem países, como é o caso do nosso, com uma taxa de desemprego entre os jovens que atinge valores próximos dos 50%, vai ter a prazo uma rutura política.
Hoje a Europa está dividida em duas partes muito diferentes, quer a nível ideológico como a nível social, económico e cultural. O Norte drena os recursos dos países do Sul.
Ou seja, a construção europeia, ao contrário do que se afirma por aí, não aproxima os povos que dela fazem parte, tende antes a opô-los cada vez mais.
Os países do Norte legitimam esse corte com os preconceitos e justificações tolas. Para eles, as pessoas do Sul viveram acima das suas possibilidades. Por isso funcionam agora como povos conquistadores.
A continuar assim, como avisou o filósofo francês, Étienne Balibar, “a Europa explode”.
O problema é que Europa não funciona, como era seu dever, como meio de controlo, de resistência ou de contrapoder aos mercados financeiros. Muito pelo contrário, a UE fixou como objetivo eliminar todos os obstáculos ao reino desses mesmos mercados.
Uma coisa todos sabemos, e isso desde que Jacques, o Fatalista foi escrito: Se o mar ferver, com toda a certeza que vai haver muito peixe cozido.
Ou dito ainda de outra forma: “Cada um segue a sua fantasia, a que se chama razão, ou a sua razão, que não passa muitas vezes de perigosa fantasia, que ora dá para o bem ora dá para o mal.”