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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

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14
Abr14

Pérolas e diamantes (84): a causa e o efeito

João Madureira

 

Cada vez mais se põe em causa a política. E com razão. No entanto ela persiste e vai continuar a teimar enquanto as pessoas forem esses animais sociais que insistem viver em sociedade.

 

Da política podemos falar como Diderot falava das mulheres pela voz do narrador de Jacques, o Fatalista.

 

Ele e o seu amo enredavam-se muitas vezes em discussões intermináveis acerca das mulheres, pretendendo um que elas eram boas e o outro que, pelo contrário, eram más. E ambos com razão.

 

Um insistia que elas eram parvas e outro que, bem pelo contrário, eram cheias de espírito. E ambos com razão.

 

Um teimava que eram avaras, o outro, liberais. E ambos com razão.

 

Um insistia que eram belas, o outro, feias. E ambos com razão.

 

Um apregoava que as mulheres eram tagarelas, o outro, discretas. E ambos com razão.

 

Um teimava que eram francas, o outro, dissimuladas. E ambos com razão.

 

Um que eram ignorantes, o outro, esclarecidas. E ambos com razão.

 

Um afirmava que elas eram sérias, o outro apelidava-as de libertinas. E ambos com razão.

 

Um insistia que as mulheres eram loucas, o outro, sensatas. E ambos com razão.

 

Um que eram altas, o outro, baixas. E ambos novamente carregados de razão.

 

Os cidadãos esclarecidos ainda hoje teimam na discussão. Uns que a política vale a pena e outros, muito pelo contrário, consideram que é uma porcaria. E ambos com razão.

 

Também sobre isso partilho da opinião de Diderot, ou melhor, do amo de Jacques: “Neste momento é preciso que nos mostremos sensíveis ou ingratos e, se atentarmos bem, mais vale que nos detetem uma fraqueza que nos deixemos ser suspeitos de um vício.”

 

Novamente me socorro do Jacques para tentar fazer luz sobre esta crónica: “Se não se diz quase nada neste mundo que seja ouvido como é dito, há ainda bem pior, que é não se fazer quase nada que seja julgado como foi feito.”

 

Foi também com Diderot que aprendi que a vida é um desfilar de equívocos: os do amor, os da amizade, os da política, os das finanças, os da religião, os dos tribunais, os dos comerciantes e até os dos maridos e das respetivas esposas.

 

Numa coisa também se equivocam os nossos dirigentes, tanto locais como nacionais, apesar dos flavienses, e dos restantes portugueses, estarem animados de uma fúria contida, ela não vai permanecer assim indefinidamente.

 

A fúria contida é, por isso mesmo, mais violenta e até mais perigosa no momento de deflagrar.

 

Com este estado de coisas, já não sabemos com que devemos alegrar-nos ou com o que é que devemos afligir-nos. Parece que o bem atrai o mal e o mal traz consigo o bem.

 

É como a virtude, que é uma coisa benfazeja, pois tanto os maus como os bons não se cansam de a elogiar.

 

Ou seja, a política, quando é virtude, é como a vizinha, e viúva encantadora, de Desglands: Sensata pela razão, libertina pelo temperamento e desolada no dia seguinte por causa da tolice da véspera.

 

Ela, a viúva, claro está, explica-nos o amo de Jacques, passou toda a vida peregrinando do deleite para a contrição e da contrição para o deleite, sem que o hábito do prazer tenha debelado o remorso, e sem que o costume do remorso tenha sufocado o desejo pelo prazer.

 

Numa coisa Jacques insistia com veemência: de que todo o homem quer mandar noutro. Por isso é que possuem cães.

 

Na sua opinião, e já lá vão mais de dois séculos, os homens têm um animal para terem também em quem mandar. Cada um tem o seu cão. O ministro é o cão do presidente, o secretário de Estado é o cão do ministro, a mulher é o cão do marido, ou o marido o cão da mulher. Os homens fracos são os cães dos homens firmes.

 

Deixai-me citar novamente Jacques, mesmo antes de terminar, ou melhor, o seu capitão, que antes do segundo amo, foi o seu primeiro amo. Dizia então esse tal capitão: “Colocai uma causa e segue-se dela um efeito; de uma causa fraca, um fraco efeito; de uma causa momentânea, um efeito momentâneo; de uma causa intermitente, um efeito intermitente; de uma causa contrariada, um efeito amortecido; de uma causa cessante, um efeito nulo.”

 

Não sei bem como é que a conjuntura política atual vai acabar, mas receio que ela nos volte a enganar outra vez ao desenganar-nos.

 

É a vida, como gosta de dizer o meu filho João Vasco. 

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