Pérolas e diamantes (85): em defesa da democracia participativa
Por muito que nos custe, os velhos anátemas continuam vivos em Portugal. E são eles quem nos diminui a capacidade de procurar uma saída de qualidade para a grave crise que atravessamos.
Os velhos mitos provincianos persistem revelando o quanto somos ainda paroquiais em termos políticos.
O arcaísmo mais persistente, e resistente, qual vírus infecioso, está associado às lideranças partidárias, que, apesar de se pretenderem hodiernas e desenvolvidas, interditam o debate aberto, limitando a discussão política ao espaço estritamente interno, disciplinado e obediente, quando não subserviente.
Tudo deriva da falta de consistência política e ideológica dos partidos, circunstância que os converte cada vez mais em coletividades de acesso ao poder e às suas benesses.
Por isso é que a diferença é vista como uma quebra de eficácia na aproximação ao poder e nunca como a manifestação de uma opinião legítima.
Quer isto dizer que o aparelhismo trinfou em toda a linha. Os partidos apenas refletem a escassa mobilidade social existente em Portugal. Quem governa conserva.
O sistema político português, quer queiramos, quer não, favorece os carreiristas e os bajuladores. Todos sabemos que são as direções partidárias que fazem as escolhas principais de acesso aos lugares elegíveis.
O debate livre, tanto dentro como fora dos partidos, que é a norma principal das democracias desenvolvidas, obrigaria, necessariamente, a uma elevação do nível, tanto das propostas, como das lideranças. Afastando as pessoas da conspiração, da intriga, do clubismo e do amiguismo, aproximando-as das regras exigentes e clarificadoras do espaço público.
Mas isto é o que todos os aparelhos partidários temem e abominam, dado que necessitam de manter as velhas regras de acesso ao poder e fechar as estruturas à influência libertadora da opinião livre e democrática.
Atualmente, todos os partidos do apelidado arco da governação são clubes oligárquicos sem visão de futuro. São estruturas reacionárias e persecutórias.
Por isso é que na maioria das vezes, para não dizer sempre, no momento de votar não podemos escolher entre o que é melhor, mas sim entre o menos mau.
E isto é válido para todos os partidos representados na Assembleia da República. Convém não esquecer, aquando do PEC 4, que a sua reprovação provocou a chamada da troika. E isso não é só responsabilidade de Passos Coelho e Paulo Portas. Francisco Louça e Jerónimo de Sousa são igualmente culpados.
Por alguma coisa é que a velha direita, agora liderada pelo atual primeiro-ministro, é tão desapiedada e vingativa.
Todos nos lembramos que Pedro Passos Coelho rejeitou o PEC 4 com o peregrino argumento de que ele trazia atrás de si mais austeridade.
Há, de facto, um grave problema na nossa democracia proveniente da forma como os partidos violam as suas obrigações políticas perante os eleitores.
Os deputados eleitos não assumem nenhum compromisso com os eleitores, apenas o fazem com as direções partidárias que os preferiram como candidatos e não com os cidadãos que os elegeram. Por isso é que alguns, ou algumas, votam contra os interesses dos cidadãos da sua região, quer eles sejam relativos à Saúde, à Educação ou à Justiça, pretextando a “sagrada” disciplina partidária. Isto é um vício grave da nossa democracia que tem de acabar.
Os partidos não definem como sua principal prioridade a defesa dos interesses dos portugueses. E não há forma de os punir.
É habitual, durante a campanha eleitoral, travarem guerras entre si, fazerem um enorme teatro sobres as suas diferenças, chegando mesmo a insultar-se uns aos outros. No dia seguinte às eleições lá estão eles em bonitas coligações, esquecendo os reais problemas de quem os elegeu.
Por isso é que a democracia portuguesa está como está, moribunda. A atuação dos principais partidos a isso a conduziram.
Em Portugal há pessoas que enquanto ministros negociaram com empresas, em nome do Estado. A seguir vemo-los como administradores dessas mesmas empresas. A maioria deles sem possuírem qualquer tipo de experiência em gestão nas áreas para que foram contratados. Afinal qual foi o interesse que eles defenderam? Qual a razão que levou as tais empresas a contratá-los? Para lhes pagar o quê?
Também não é de admirar. Foram os jotas aqueles que triunfaram. São os jotas que fazem carreira. São os ex-jotas que estão no governo a aquecer as cadeiras para que os jotinhas de hoje sejam os ineptos governantes de amanhã.
Foi nessa escola de virtudes que aprenderam a dar facadas nas costas, a chegarem aos lugares de topo através de artimanhas e manigâncias, através de malabarismos, maquinações, intrigas e traições.
Por isso é que os nossos dirigentes partidários não têm cultura. Acham isso até despiciendo. Um luxo. Quiçá, uma mania. Ou, o que é ainda mais grave, um óbice à arte de governar.
Temos de passar, como defende Marinho Pinto, da democracia representativa para a democracia participativa. Está na hora dos partidos políticos deixarem de ter o monopólio da luta política. Está na altura dos cidadãos independentes poderem concorrer à Assembleia da República.