Poema Infinito (213): construção
Em cima do horizonte brilha a calma que se abre e aumenta como uma coroação de estrelas primitivas. O mundo amadurece como um todo. A água palpita como se fosse uma membrana. Os astros são labaredas opulentas que se abrem como chagas em combustão. Alguém grita de júbilo como uma imagem em efervescência. Tremem os dedos de Deus. A matéria ou arde ou se afoga. A morte é um grito de estrangulamento. Brilha a água. Brilha o gás. Brilha o medo. Tudo respira com mais força. Sente-se o júbilo do sangue. As paisagens iluminam-se de angústia. As formas são fluxos de assombro. A transparência da vida sustenta as estrelas. Todas as coisas são metáforas dentro de outras metáforas. A música é o limite do mundo. Os instrumentos nascem da terra como árvores. O mundo é agora uma magnífica e imensa massa orgânica. Iluminamo-nos. Tu levantas soberbamente o rosto. Todo o poder divino se baseia no medo. As nossas mãos brilham quando se abrem. Os caminhos estão repletos de obstáculos, neles estão espalhados signos falsos. As margens do tempo movem-se. O mundo é uma amálgama de esfinges. O meu corpo guarda a lembrança excessiva do teu. Os insetos brilham. Vejo Eva a sair do paraíso. Vejo Deus a sair do inferno. Tento agarrar as palavras. Os campos ficam paralisados pela invasão da água. As crianças recriam-se com os trovões. Dentro das árvores, as aranhas tecem o tempo da expetativa. Espantamo-nos com a fuga dos espíritos. As formas abandonam os corpos, alongam-se, deformam-se e mergulham dentro do reflexo da lua sobre o rio. Os murmúrios escondem-se dentro do silêncio. O silêncio esconde-se dentro de nós. A tempestade de Deus surge montada num alazão vermelho empunhando um dardo amarelo. Os espíritos espalham-se pelas árvores como se fossem frutos. Algumas sombras desfazem-se, outras pintam-se de branco. Nas praias bravias, as raparigas dançam por entre as ondas e ameaçam as sereias. Os rapazes ficam com os membros eretos. Tudo fica mais geométrico. Depois fazem amor da maneira mais vulgar. Transformam-se em símbolos. Guardam segredos. E tornam-se tão evidentes como as pétalas dos malmequeres. O fio do tempo fica completo. A vida olha para o mundo através dos nossos olhos. A beleza torna-se curva e dança. O desejo remanesce indefinido. De repente a memória rompe as trevas e emerge intacta no mar do tempo. Os degraus do futuro tornam-se infinitos. Aos deuses das pequenas coisas deu-lhes para ficarem reféns da sua própria alegria. Rejubilam por serem agora ferramentas sonoras que pretendem construir o desejo e domesticar a loucura. Muitos ficam prisioneiros dentro dos seus próprios sonhos e disfarçam-se de crianças monótonas. E passam a falar com as mãos. E constroem os lugares de silêncio onde os poetas enlouquecem escrevendo com os seus dedos apavorados e melífluos. A sua inocência desenvolve-se quando pretendem explicar a vida. Essa é a sua sinistra fantasia. São como estrelas que mudam de cor. Enaltecem agora os dias de luz onde se sentem levitar. A sua solidão é a forma mais abstrata de violência.