Poema Infinito (218): implosão
A natureza mal responde depois de vários séculos vazios. O tempo e as suas metamorfoses puseram-se à janela. O mar cabe-nos inteirinho nos olhos e ainda sobra espaço. A razão justifica toda a espécie de pesadelos. Os dias jazem mortos nos calendários. As mãos são agora sombras que transformam e lavam o esquecimento. Todas as pessoas são iguais, por isso vivem obcecadas pelo inferno. O dia do juízo final é, definitivamente, uma inutilidade divina. Os pecados inflamam-se como se fossem feitos de ouro incandescente. Esperas-me perto da noite e cantas uma melodia de tempo e morte. Insistes sempre em atravessar o parque para encontrares o caminho de regresso. O vento é o nosso destino mais próximo. O mito do paraíso perdido envenena a memória. Toda uma vida cabe num único segredo. As palavras mais antigas desabam como chuva fria sobre os homens que ainda esperam o milagre da vida eterna. Ninguém consegue adivinhar o rumo incandescente das estrelas. A sua rota é um labirinto universal. Reconhecemos ainda o assombro que as pessoas vulgares denominam como pensamento. As vozes ficam suspensas no vento. Os gritos adormecem. Os corpos, já vencidos, adormecem. A vida remanesce em câmara lenta. Onde estão agora os sorrisos dos nossos familiares desaparecidos? Onde continua a sua transparência? As lágrimas acendem-se nos nossos olhos. Brilha nelas uma espécie de arco-íris de seda. Onde está o mapa das suas almas? Não procuramos a verdade, apenas os sonhos. As febres mitológicas. Procuramos o som das palavras luminosas que o tempo teima em calar e tornar irrespiráveis. O esquecimento é uma ópera infinita. Os sonhos são agora impenitentes. O futuro acaba incessantemente num naufrágio. A vida é composta por estranhos hieróglifos e alfabetos de letras impraticáveis. Os corpos acabam sempre por se transformar em ideogramas ou em labirintos sem saída. Toda a alma tem um preço. E a sua música própria. Por isso se perseguem as sombras transparentes. E se fabricam melodias irregulares. O futuro constrói-se com o fogo frio da razão. Com a chama fugaz da infância, com os sonhos revelados do outono, com o desenho apavorado da fantasia anunciada do passado. Tanto o passado como o futuro são dois espelhos mortos virados um para o outro. Todo o desejo humano é um jogo com letras numeradas que fingem repetir a surda fantasia das cores. Perdemos sempre a vida nos gestos. Ninguém sabe a razão das viagens interiores. Deus é um ziguezague do destino. Eu ainda acredito na luz que nasce dentro de ti. Nos dias azuis que ensinam o segredo da beleza, no oásis cristalino que nasce perpetuamente dentro dos teus olhos. A noite abraça-nos. Uma certeza existe, a de estares aqui comigo na solidão da casa. Lá fora a cidade acende-se. Os fantasmas ficam incandescentes. Rompemos mais uma vez a membrana do tempo. A primavera é um improviso. Desenhamos órbitas crepusculares dentro do nosso sonho. O tempo recomeça a arder. O teu corpo abre as suas portas.