Poema Infinito (225): origens múltiplas
Dirijo o meu olhar para os passos do teu espírito. Os teus pensamentos são como rochedos sagrados. Um dia iremos a Jerusalém para ver o amor transformar-se em paciência e deixarmos de lado as falsas crenças e as enganadoras narrativas. Mas vamos à história da origem da origem. Todos os heróis se perderam nos labirintos do tempo quando demandaram o Santo Graal. Aí encontraram a sua ambivalente imortalidade. Aí abriram buracos para descobrirem o centro do universo. As crianças redentoras nasceram em grutas e percorreram os caminhos das florestas encantadas. Tiveram visões lá no alto das montanhas onde praticaram a arte milagrosa do jejum. Depois elevaram-se nos ares e cantaram. Sonharam então com longas viagens onde pretenderam amainar os elementos, abençoar todos os nomes e escrevê-los nas tábuas da fantasia. Foram elas que imaginaram e desenharam as pirâmides de Gizé e as suas múltiplas passagens secretas para poderem brincar lá dentro e para que os homens que lá entrassem não tivessem possibilidade de fuga. A sua juventude eterna, possibilitada pela água que beberam da fonte milagrosa, envelheceu como ideia. Depois sucederam acontecimentos terríveis que a todos surpreendeu: as pedras dos templos tornaram-se exatas, os milagres transformaram-se em ruínas, vieram os terramotos e os maremotos e os ciclones e os tufões, os incêndios e as inundações. Os crentes transformaram-se em pintores de grutas retratando nas suas paredes presépios ameaçadores. Os profetas começaram a apregoar a hostilidade e a defender a sabedoria do esquecimento. O mundo tornou-se demasiado comprido. A verdade transformou-se num gesto vago de desalento. Os homens começaram a manifestar o desejo de matar para salvar o Criador e a sua criação. As parábolas ficaram planas como o olhar dos cegos. O amor ficou neutro como os ventos desenhados. As tempestades ficaram frágeis como o papel. Os animais deixaram de acreditar na natureza. Os homens dividiram-se em duas metades imperfeitas e deixaram de confiar uns nos outros. Os amantes começaram a ter medo do amor e do seu corpo e do seu sexo. Especializaram-se em particularidades instantâneas. A pretensa beleza de Deus cegou-os. Alguns começaram a contar histórias mirabolantes para se aperceberem da realidade e tentarem compreendê-la, mas perderam a capacidade de medirem os seus dias e o seu tempo de vida. Os deuses começaram a atuar como se os homens não existissem verdadeiramente, como se fossem uma sua criação animada para experimentarem a eficácia. A bondade e a maldade misturaram-se como o sal e a água dos dilúvios divinos. Tudo o que era divino ficou incompetente. Tudo no universo se desorganizou. Os deuses começaram a ironizar as suas próprias catástrofes e principiaram a utilizar os velhos métodos da distância. Quanta mais distância, mais obediência. Os homens surpreenderam-se com a sua súbita sabedoria primária. A linguagem transformou-se numa bússola sem pontos cardeais. A invenção antiga do destino tornou-se incompetente. Os homens passaram a evitar as frases explícitas e os sentimentos concretos. Tudo ficou um pouco mais longe da verdade. Todas as coisas perderam a sua própria fisionomia. Todas as infâncias se transformaram em ruas que eram parábolas e terminavam em florestas. Os homens decidiram nunca mais olhar para cima. Os seus olhos ficaram com a expressão planeada dos mapas. As flores ficaram nervosas e por isso perderam a cor e o perfume. A natureza ficou definitivamente ao nível do nosso olhar. No meio deste caos nasceu, por fim, o paraíso, que antecipou a natureza e, por fim, moldou o homem e a sua natureza de barro.