Poema Infinito (252): apogeu e declínio
Em mim se guardam os teus espaços. Alargo-me dentro do teu olhar. A minha solidão é imensa como o mar. Habito agora nas terras ermas dos meus antepassados. Por aqui os ventos são vastos. Junto aos mosteiros descansam as almas cingidas pela extensão do esquecimento. Caminho por trilhos que mais ninguém conhece. Sou como um cego em busca da luz que de nada lhe servirá. As árvores exaltam os seus frutos. Antigamente, junto a elas, as donzelas elevavam os seus cânticos de amor e pesar. Dos seus troncos construíam-se alaúdes. Os rapazes faziam-se homens e contavam às mulheres as angústias que não conseguiam expulsar. Os olhos contemplavam o eterno passado. Não havia futuro. Construíram-se casas já velhas. O sol pouco alumiava no inverno. No verão o calor entrava por todo o lado. Os deuses eram adorados com a ardência do lume. As mulheres sentiam os corações a ruborescer. No céu, os anjos passavam como se fossem bandos de estorninhos. As aves, assustadas, comiam os frutos ainda verdes. Todas as épocas possuem a sua praga. O tempo era então uma forma de riqueza que se podia esbanjar à vontade. A pobreza vestia-se sob a forma de fatos e vestidos puídos, passajados e engomados. Todos admiravam as vestes dos bispos. Isso aquecia-lhes a alma. O êxtase existia em forma de campo arado. Eram trigueiras as primaveras, as moças e os rouxinóis. Nos mais velhos, as alegrias morriam pouco a pouco. Ninguém dava conta. Ninguém se importava. Os casais mais fecundos, que eram quase todos, caminhavam pelos prados com as flores atrás das orelhas, ou entre os lábios, e falavam de si e de como a alegria se aplicava à natureza e tudo em volta se excitava até todos ficarem com os corações límpidos. A luz do dia era cada vez mais funda, os sorrisos cresciam nos rostos das crianças, quase todas magras e descalças. Amaduravam a história da sua infância. Quando as crianças cantavam, nos ninhos dos pássaros fazia-se silêncio. Os irmãos gritavam com as irmãs. As irmãs vociferavam com os irmãos. E os pais praguejavam com ambos, mesmo sabendo que era pecado. Na primavera, as canções espalhavam-se como o pólen. Realizavam-se muitos casamentos. As mulheres fechavam os olhos como se fossem gomos de rosas. As noites de amor pousavam nos leitos ásperos e eram grandiosas dentro da sua extraordinária velocidade. Os animais ficavam em silêncio. Os filhos faziam que dormiam. Até a Imaculada Conceição brilhava mais, pálida dentro do seu corpo e adornada com a sua alma de santa. As fêmeas davam fruto. As sementes, enterradas nos solos férteis, aqueciam interiormente e cresciam. Depois, os sonhos começaram a voar para longe. Muito longe. Cada vez mais longe. A vida afundou-se devagar no meio das flores, da erva e finalmente nos tojos. Chegou então o sossego e a serenidade dos cabelos brancos. Os invernos começaram a ficar doridos. A saudade tomou conta dos caminhos. As portas das casas fecharam dentro de si a vida no seu mistério mais fundo. As pessoas começaram a falar em silêncio. A escurecerem dentro do seu inverno. A procurarem o tempo que lhes restava nos braços dos anjos. As imagens quedaram quietas, impassíveis. Os espelhos ficaram escuros. Começou então a contagem finita das noites. A vida transformou-se em som. Escuto continuamente a voz de pedra do tempo até adormecer.