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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

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20
Ago15

Poema Infinito (264): busca interminável

João Madureira

 

 

Procuro na noite os movimentos do tempo, as suas faces de cinza, o seu esplendor funesto, a sua alma líquida, as suas galerias subterrâneas, os seus séculos noturnos. As cidades brilham nas zonas periféricas. Os seus mitos são como bezerros de ouro. As suas leis não estão escritas nas tábuas de Moisés. Delas restam apenas as lendas e o pó infinito da paciência de Deus. Os céus começam a evoluir lentamente e não suspeitam que podem morrer de repente. Possuem a mesma fluência das plantas e a constante imensidão das realidades bravias. Brilhamos no escuro e honramos os fragmentos do apocalipse. Admiramos a liquidez do amor, a incansável desordem da matéria, e a sua suspensão, o denso desenvolvimento da gravidade, a subtil morosidade da paixão, os sorrisos nos rostos tristes, o motor das utopias, o labirinto das palavras, e o seu desânimo, o renascimento do fogo eterno, a memória do esquecimento, a poesia que se expande pelo mundo como uma sombra secreta, a luz que existe dentro da própria luz, a infância ressuscitada, o silêncio dos astros e o murmúrio salgado dos mares. A vontade expande-se e dilata-se com o calor do teu olhar. Houve tempo em que os ceifeiros cantavam sobre o cereal, agitando o tempo, enganando a fome e a sede. Obstinavam-se na sua sorte. Dançavam sozinhos. Erguiam muros de pedra e espantavam os desejos. Mais árduas que o trabalho eram as palavras cinzeladas pelos seus lábios. Fingiam-se frias e pousavam ocultas sobre as coisas bravas. As casas eram todas feitas de pedras e tempo e comportavam-se como buracos negros. A solidão era tanta que tudo tremeluzia em seu redor emitindo uma ténue luz radioativa. Deus era uma voz assustadora, agitando sempre a ordem. As regras da morte são sempre violentas. As janelas das casas são sempre sossegadas. O tempo é sempre denso e povoado de elevados ulmeiros e almas que se reproduzem dentro dos sonhos. Durante a noite viajo com a quietude das árvores. O vento sopra sobre os choupos. Sigo o carreiro onde cantam os pássaros e zumbem os insetos. O meu tempo passa sobre o tempo dos outros. Não consigo encontrar o banco de pedra sob o carvalho onde o meu avô se sentava comigo ao colo e me contava histórias cheias de um vento que soprava como se fosse uma voz efémera, onde os lagartos olhavam o mundo por cima da erva cintilante dos lameiros. Escutávamos a voz da terra, a deslocação da solidão, a aproximação e o afastamento do tempo, a gravitação da luz. Foi lá que aprendi a interpretar a liberdade das distâncias, a solidão das estrelas, a epifania da coragem, o receio em abrir a porta das recordações, a infindável diferença entre os seres humanos, a perseguição do desejo, as palavras que nos ajudam a vencer as separações. Então os dias começaram a ficar mais pesados e cheios de medo. Com eles, os homens começaram a erguer catedrais com ruínas no seu interior. E iluminaram as praças e o frio de natal. Os anjos começaram a escurecer. Deus carregou-os então com o pesado abismo das asas. No momento em que abri a janela caí abaixo da realidade. Aprendi que a alegria é uma espécie de imperfeição.

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