Poema Infinito (265): o movimento dos labirintos
Sou de uma geração aflitiva onde as palavras brotam cinzentas e se conseguem sensibilizar com a água da chuva quando cai para o lado do mar e os barcos se aproximam da praia homenageando os cânticos dos pescadores e a inocência mordaz das cidades decorativas. A esplêndida antiguidade das redes de pesca espalha pela areia a sua intimidade com os peixes. Toda a nossa inspiração de dissolveu numa espécie de gramática do absurdo. Os presságios passaram de ditos a interditos. Os sonhos ficaram expostos à condenação. As narrativas passaram a ser escritas em forma de acusação. As palavras exigiram aventura e desordem. E erro. Passámos a transportar no olhar a lógica absurda dos rituais, a imprecisão das vigílias, os sofismas da luz eterna. Os nossos lábios passaram a murmurar a palavra regresso antes mesmo da partida. Os nossos gestos passaram a imitar o voo circular das fronteiras, a tradição melancólica das divindades, a lucidez divina da autoridade, a singeleza incómoda da obediência. Sopraram então os ventos litorais transportando os poemas que possibilitaram a reinvenção de novas civilizações vulgares. As imagens do tempo ficaram mais oblíquas. As árvores transformaram os seus frutos em composições atmosféricas. Os deuses da inutilidade semearam então as estradas, os carros, os centros comerciais, conferiram aos livros o seu destino efémero, resignaram-se à obscuridade dos hereges, à expressão mínima dos desejos e da transcendência. A música passou a soar indecisa e as imagens dos homens ficaram disformes e atrapalhadas. As crenças ficaram mais fortes e a razão mais obediente. O mundo íntimo do sofrimento adquiriu a sua forma definitiva. A tentação passou a ser um jogo difícil de jogar. Os rios encheram-se de palavras secretas. A memória remanesceu mais solitária. O delírio substituiu a justiça que ficou de uma cor fina e abstrata. A vontade foi dominada, as religiões recusaram definitivamente a razão, a virtude passou a ser uma metáfora e o esquecimento transformou-se numa espécie de contabilidade moral. A vontade foi dominada pela virtude. As almas passaram a ser corpos incertos. Regressámos de novo às formas arcaicas e à sua mediocridade ancestral. Deus ousou criar a sua obscuridade sagrada e elucidar as suas profecias divinas. O povo ouviu-o e elaborou a sua arte maior: a matemática exponencial dos sonhos. Deus recusou-lhes a eternidade. O tempo ficou mais orgânico. Ouviram-se então gritos nas terras habitadas porque os insetos devastaram as searas que cresciam loucas pela planície. A música passou a ser um choro. O erotismo disseminou-se pelos vários continentes. Vozes silenciosas brotaram dos lábios virgens. O amor passou a ser diverso. E extenso. Por fim os horizontes atraíram as nuvens e as lágrimas os olhos respetivos. Grupos de mulheres juntaram-se na orla do mar. As linhas das falésias foram invadidas por aves marítimas. Uma névoa cinzenta tomou conta do mar. Amanhecemos em pleno inverno. A nossa geração ficou rigorosamente quieta a observar a imobilidade crua da estética. O movimento dos labirintos transformou-se na doce sombra da realidade.