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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

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25
Ago16

Poema Infinito (317): subtilezas divinas ou o princípio da inutilidade

João Madureira

 

 

 

O erotismo pode ser como uma lâmina. As novas interpretações da vida levam-nos em sentido contrário ao desejo do contacto. As manchas do tempo anunciam maldade. Planeamos os dias seguintes como quem arranja um relógio. Baseamo-nos em sistemas mentais semelhantes. O sucesso baseia-se numa meticulosa invenção do futuro. Homens demasiado curiosos perturbam tudo aquilo que é explícito. Reproduzem com evidente magnanimidade tudo aquilo que não existe. São maus desenhadores do presente. Todos os pressentimentos estão dentro dos indivíduos. A inveja mantém-se intacta. Vinda do lado invisível da realidade, a proficiência domestica o prazer. Distinguem-se mal os rostos, mas, no entanto, apreendemos a beleza dos gestos rápidos. Desaconselham-nos a ironia, pois vivemos tempos urgentes. A matemática ensina-nos a reconstruir as ruínas. Fugimos do medo em repetidas circunferências. Combatemos o tempo e tropeçamos uns nos outros. Este é o sentido da vida. O mundo não seria mundo se não respeitássemos o sentido obrigatório da existência. Por isso continuamos a habitar este nosso armazém metafísico. Todos pensamos em vingança depois da fuga, logo após recuperarmos a respiração. Desgastamo-nos com a excitação, pensando pertencer ao tempo gasto na luta física. O hábito da posse é sedutor. Os homens e as mulheres sonham em alcançar um sítio onde serão felizes até à redundância. Melhor seria anular esse campo da sua imaginação. Adicionar coisas iguais é como subtraí-las. O pudor das nossas memórias encheu-nos a infância do mais belo erotismo das primas. Quanto mais prima mais se lhe arrima. A realidade encheu as cidades de obras intermináveis e de melhoramentos constantes. Por isso protelamos a explícita satisfação do desejo. Pomo-nos a imaginar a geometria dos corpos, a filosofia dos entusiasmos, a ironia dos bordéis, a lentidão dos prédios antigos, a ânsia das campainhas, a malícia dos gestos do dedo indicador, as ligações elétricas da virgindade, os determinantes das frases pornográficas proferidas na intimidade e o mecanismo da divindade. Os homens ficam sempre mais angustiados quando abandonam a ironia. Apercebem-se então que são distintos uns dos outros, que são inimigos. Por isso inventaram a compaixão e aprenderam que o tempo não é destino nenhum. A natureza nunca adia a sua chegada. É tão certa como a luz que a acompanha. A sua imagem ocupa perpetuamente o lado correto do nosso olhar. O infinito é sempre mais além. Por vezes começa dentro de uma casa, como a biografia de uma mentira, como uma tragédia falsa. O infinito engole tudo: os objetos pessoais, as fotografias, as paredes das casas, a decoração do seu interior, a sintaxe dos móveis, as primeiras masturbações, tudo aquilo que é contemporâneo, toda a cultura e os seus problemas fundamentais, todas as zonas industrializadas, toda a excelência daquilo que é humano e a diferença principal entre os homens e as divindades. Nas mãos do infinito, a humanidade é como um livro de receitas culinárias, veste-se a seus olhos com a mesma inutilidade completa. A grande questão filosófica está em saber se devemos abrir a boca antes de a fechar ou fechá-la antes de a abrir. A organização do universo a isso nos obriga. A nossa infância ou termina numa floresta escura ou numa rua que se bifurca. Sabemos agora que os deuses atuam como se não existissem. 

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