Poema Infinito (391): A fuga do paraíso
O dia nasce espontâneo no meio da natureza. Um braço amigo passa negligentemente sobre os meus ombros. A encosta está coberta de branco. As aves fragmentam-se e ficam púrpuras. Gotas de chuva contornam as flores. Os verdadeiros poemas transformam-se em imagens. Os nossos corpos acordam amenos como as brisas. Cheira a maçãs, a hortelã e a ansiedade. Ninguém consegue demover a limpidez da angústia, a pulsação mística dos dedos ou desviar a nitidez dos olhos vigilantes das mães. Os machos e as fêmeas pronunciam juramentos de procriação. A avidez devora o dia e a noite. As horas ficam impetuosas. É de novo tempo de regressar ao paraíso. Lá os homens são menos cruéis, a timidez é mais feminina e os lábios mais decididos. Os enigmas libertam e iluminam-nos. O oceano avança, a multidão avança, o amor morre brevemente. Continuo a fazer longas viagens apenas para te olhar e te tocar. Receio perder-te. Os nossos olhares estão tranquilos. Tudo parece perfeito. Até a nossa imperfeição. As cidades chamam os grandes delírios. Muitos dos cânticos são sexuais. O tempo continua a enganar-nos. As metamorfoses são agora mais rápidas. Tornamo-nos plantas com raízes profundas, crescemos junto das clareiras, lá onde os rebanhos são selvagens. Somos por vezes peixes nadando nos rios cintilantes. A tarde fia repleta de perfume. Os bosques enchem-se de crepúsculos e gemidos. Muitas crianças ficam velhas de repente e olham para longe, para lá das montanhas e do tempo. Adão acorda cedo e sai nu do meio da folhagem. Eva, com a sua vagina em repouso, toca-lhe com receio e contempla o seu pénis trémulo. Decidem então percorrer os caminhos inexplorados, abdicar dos princípios conhecidos, dos prazeres e dos benefícios. Decidem alimentar-se de almas, encher-se de alegria e aprender línguas aromatizadas. Os seus peitos enchem-se de flores perfumadas e de delicadas folhas. Nas mãos florescem-lhes os anos. Aprendem que a felicidade é amarga, que a vergonha é inútil, que todos os exemplos são ecos do passado. Sabem que a verdade se esconde sempre por detrás de uma máscara de utilidade. O seu tempo não há de durar muito. Por isso dão as mãos e falam de coisas inúteis, de lealdades diferentes, de afetos suspeitos, de resultados incertos, de caminhos destruidores, de modelos esgotantes, de bibliotecas mudas, dos nascimentos tímidos e das ilhas silenciosas. Permitem-se pôr os lábios em riste e dar longos beijos de volúpia e desespero. Tocam-se e depois adormecem silenciosamente. O seu arrebatamento é eterno. Assimilam então o amor e a alegria e também a sua tristeza. Nos bosques, as árvores ficam densas e longas. Os jardins ficam ainda mais breves. Flores silvestres acumulam-se nos lameiros alimentados pelos córregos. Espessas nuvens de espíritos sobem no ar. A raiva fica então insatisfeita, reprimindo os suspiros e as juras e as promessas quebradas. Adão e Eva são então invadidos pela terrível dúvida das aparências, pela incerteza das ilusões, pela especulação da confiança e da esperança, pela densidade das cores, pela beleza aparente das fábulas. As aparições são agora frequentes. As palavras perdem metade do seu sentido. O espírito e a memória são a conclusão de toda a metafisica. Tento adormecer de novo. A luz ficou mais débil e o desejo mais real. Tudo à nossa volta é espaço e tempo. Tudo é longo como a morte. A tempestade amainou. A paixão treme de novo em mim.