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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

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08
Mar18

Poema Infinito (395): A dimensão externa dos anjos

João Madureira

 

 

Alguém me grita ordens como se fosse um anjo. Depois aperta-me contra o coração. Continuamos a suportar impassivelmente o desdenho de Deus. A sua beleza é violenta. Os anjos começam a soluçar no escuro. Nem os homens nem os anjos são seres perspicazes. O mundo não consegue explicá-los. Nem Deus. É a fidelidade aos costumes. O vento vem cheio de noites e de espaço. A desilusão parece mais suave. Tem mais a ver connosco, com os corações solitários, com o abraço vácuo dos anjos. Respiramos enquanto as aves alargam os seus voos mais íntimos. As primaveras continuam a necessitá-los. Levantam-se as ondas num vasto mar de sargaços. O passado aproxima-se de nós. A janela está aberta. Tudo é uma missão. Mesmo os violinos estão nus, distraídos, tocando a sua música de expetativa e desilusão. A saudade assalta os amantes. Os sentimentos mais vagos julgam-se imortais. Os heróis ficam inacessíveis aos louvores e às quedas. O seu pretexto é nascer de novo. A natureza está cansada, como se houvesse duas vezes para cumprir o seu desígnio. As dores mais antigas tornaram-se férteis. Escutamos os exemplos do amor através da boca dos santos. Vozes e mais vozes. Orações enormes crescem do chão. O apelo dos anjos é enorme. Por vezes ninguém suporta ouvir a voz irada de Deus, a sua mensagem ininterrupta, a sua forma de silêncio, o rumor da morte dos jovens. O futuro humano é estranho. As mãos são agora infinitamente tímidas. Os nomes dos homens são como brinquedos partidos que ninguém consegue colar. Também os desejos são esquivos. Todos ambicionam sentir um pouco de eternidade, distinguir os erros. Sentimos a dor através de uma vibração estranha. A felicidade é apenas uma espécie de lenda. Deus convoca os anjos e os anjos invocam Deus. Os arcanjos definem a luz das estrelas. Os seus passos são violentos. Tudo começa a ser criado de novo: a articulação da luz, as horas, os cumes aurorais, as cadeias de montes, o pólen da divindade, a essência dos espaços, os sentimentos mais extáticos. A tua face aparece e desaparece nas gotas de orvalho que fortalecem a relva pelas manhãs. Os anjos apreendem a verdade como se fossem máquinas que misturam enganos e desenganos. Os seus rostos são cada vez mais vagos. A noite diz-nos coisas estranhas. Tudo parece ocultar-se atrás da vergonha e da esperança. Olhamos as árvores e as casas como se fossem espaços cósmicos. Os amantes perderam as provas do seu amor. As mãos tomaram conta dos corpos. Desaparece também o sentido das carícias. Sentimos então o susto da saudade. Os gestos mais humanos devem ser feitos com prudência, para Deus não desconfiar. Afinal somos feitos de matéria diferente. As donzelas virgens acalmam a sua solidão. Deus soprou a eternidade no escuro, arredondando as noites. O caos tornou-se ambulante. Desde então os nossos corações estão cheios de refúgios. Imaginamos as torrentes da origem, os sonhos mais febris, a intimidade do crescimento, a origem poderosa dos nascimentos. Os sorrisos e os desejos dissolvem-se em água. Sentimos crescer dentro de nós a inumerável fermentação do futuro. Por vezes a noite adquire um peso insustentável.

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