Poema Infinito (452): Hesitação
Tudo o que fazemos é como o vento. A água densa transforma-se em sonho. Lá ao longe choram as sombras secretas. O teu corpo ganhou novas metamorfoses. Os meus olhos vertem melancolia. O vento sopra do lado do mar. O tempo perdeu-se entre os sabugueiros. O prazer morre de sede em frente à tua frescura. As gotas de orvalho já dormem nos canteiros. Conversamos entre os dois extremos da noite. Nem as perguntas, nem as respostas, se reconhecem. As estrelas trémulas inclinam-se sobre as palavras. Os rostos parecem versos andróginos, presos em círculo, chamando por nós em voz alta. As paredes ficaram transparentes. Coitado de quem está sozinho e sonha os vários desejos afligidos. As aves voam dos espelhos à procura da água. O seu gesto de voar é infinito. Preparo alguns versos para os plantar enquanto há luar. A velocidade do vento desmonta o puzzle das cores. O coração continua repleto de incertezas. O tempo que vem do mar é ríspido e amargo. Chora o sentido da sombra. A aflição impõe o seu silêncio fino, as horas desiguais. Deito-me dentro da minha própria fadiga. A necessidade gera caminhos claros e serenos. Os náufragos vêm de longe, envoltos em frio, agitando as suas mãos mais antigas. Acontecem novamente as vozes da incerteza, a possibilidade de outras coisas. Escuto a metafísica. O sol alterou o desenho das sombras. Há céu por todos os lados. A chuva intimidou-se. Sinto de repente uma coisa semelhante à ternura. As pessoas começam a transformar-se em símbolos. Adquirem forma crepuscular. O vento continua a desgastar os insetos, a sustentar as árvores, a anunciar a vertigem dos oceanos. Estou tão breve que me sinto em tudo. Estou entre a asa e o voo, entre o fruto e a doçura, entre o corpo e a cinza. A aldeia já se despiu dos vestígios dos avós e dos pais. Magoa-me a sua saudade. Os frutos das árvores da Ribeira ficaram inacessíveis. As fotografias já beberam toda a sua ternura. Percorremos agora os caminhos de forma inversa. Nem as lágrimas nos defendem. As borboletas soltaram-se dos teus dedos, procurando os lugares mais secretos. A ternura continua a abrir-me feridas. Mergulho os meus dedos na tua transparência. A árvore do inverno ficou transcendente. Respira agora dentro da sua harmonia mortal. Os velhos livros manuscritos estão cheios de gritos. Pertenço a uma geração nostálgica. As crenças nascem dentro da música inorgânica. São a sua forma, a sua inspiração, o seu crepúsculo. A vida está limitada pelos murmúrios. A sua caligrafia é moral. A sua virtude expande-se como se fosse uma metáfora. E mexe. E incendeia todas as coisas. Repouso os meus olhos na quietude do lago e na infinita impressão dos teus. Acho que perdi o endereço dos nossos sonhos. O tempo do regresso é sempre mais demorado do que o tempo da partida. A coragem é sempre temperada pela esperança. Os homens sábios sabem sempre como preencher os seus silêncios. O sol e a água continuam a ser a religião do mundo. Não são as opiniões que fazem crescer as plantas, nem a realidade dos girassóis. O tempo teima em abrir o livro do esquecimento. Sinto o rumor das palavras que vem do fundo da casa. Há hesitação nos teus dedos. As imagens mortas fixam a areia. O barulho das aves vem de encontro a nós. Parece que Deus chegou. Eu apenas escuto o seu silêncio. O seu silêncio infinito.