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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

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16
Abr20

Poema Infinito (504): O axioma do tempo

João Madureira

 

 

Quando nos proibiram de comunicar, traduzimos as tonalidades do vento e com elas sussurrámos curiosidades, decisões e inquietudes. Quando desconhecemos o destino, as viagens não são lentas nem rápidas. São. Esse axioma faz parte da teoria do tempo. Quando vou para outras terras, costumo levar no olhar vestígios da minha. O sol do paraíso também pode ser tórrido. E a água gelada. E os caminhos podem ir dar a nenhures. Depois de uma longa viagem interior segue-se agora a vez de uma grande incógnita. Os velhos falam através das paredes como se estivessem presos. E à noite gemem deitados nas suas camas. A sua impotência é intensa. A loucura faz-lhes companhia. O tempo não necessita de ser tão cruel. O velho arado está tão gasto que já não consegue lavrar a dura terra onde antigamente se semeavam as palavras. Os pássaros fazem gritar as sombras, assustando-as, impedindo-as de voar. Um dia decidimos dividir o mundo, mas não conseguimos. Disseram-nos que tínhamos chegado tarde àquela vontade. Depois adormecemos ao som das chamas da fogueira. A menina acordou translúcida. O sol reflete-se na palma das suas mãos. O azul nasce dentro dos seus olhos. São as forças ocas que dominam o universo. Regem-se pela lei do vazio. E pela da desintegração. Por isso olhamos insistentemente a consistência vegetal e a ténue luz do crepúsculo para percebermos qual é o mecanismo universal que determina a vida. E a razão de estarmos aqui tão acompanhados e tão sós. A antiga memória é enorme. Todos os seres humanos são momentâneos. Todos possuem caras religiosas. Já não se constroem pirâmides, mas muros. Vivemos no tempo dos mal amados, das histórias improvisadas, das bombas de cólera e plástico e do restante lixo orgânico. Estão já muito distantes os jardins de BoccMaltese0accio, com breves e pulcros amantes, percorrendo lentamente os diversos momentos da licenciosidade. As cidades são os novos mitos, cheias de ruídos, manchadas de passeios, com gargantas húmidas por onde passam minhocas chamadas metro, cheirando a refugado de civilização. Nos jardins petrificam-se as estátuas dos filósofos e dos poetas e dos militares que ganharam a fama por mandarem matar seres humanos. Os deuses estão ao preço da uva mijona. A solidão é mecânica. O erotismo flácido. Tudo arde por excesso de higiene. Todos parecem querer mudar de decoração, credo e de deus. Louvado seja Deus. Nunca houve tantos amorais tentando impor a sua moral. Tentando interpretar os sonhos ainda antes de serem sonhados. As antiquíssimas araucárias correm perigo de contaminação. E os seres humanos rodeiam-se de sinais e de hipóteses e de assombros e de viagens e de prolongados silêncios. Depois mergulham no mar da invisibilidade. Os voos dos pássaros passaram a ser clandestinos. Mas voltemos ao início. Ao momento de regarmos as flores. À correção das raízes. À suspensão do mundo e do medo e dos gestos. Tudo se torna plano. Temos os dedos sujos de terra. A eternidade repousa já no inferno. O céu parece um fogo-fátuo. O nevoeiro costuma preceder as grandes aparições. Florescem os aromas e os desejos e a intransponível música de Bach. Wolfgang Amadeus Mozart acompanha ao piano a sinfonia incompleta da solidão. As teclas tocam de forma irreversível. Os chineses continuam a domesticar os pássaros. Não há quem os tire da gaiola.

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