Poema Infinito (554): Poesia do Big Bang (Décima)
No princípio existiam vinte e dois livros que continham o relato de todos os tempos. Cinco eram de Moisés, que continham as leis e as tradições do nascimento da humanidade até à sua morte. Os profetas, depois de Moisés, escreveram a história dos seus próprios tempos em treze livros. Os restantes quatro continham os hinos a Deus e as instruções às pessoas sobre a sua vida. Melitão, bispo de Sardes, visitou a Terra Santa para verificar quais eram os livros mais antigos que os judeus consideravam Escritura. Descobriu que os judeus aceitavam como autoridade os livros que agora conhecemos como Antigo Testamento. Diziam os estudiosos que as Sagradas Escrituras sujavam as mãos, provavelmente de sangue ou de sémen, por isso transmitiam, em vez de santidade, contágio. Até o Cântico dos Cânticos. As pessoas que as tocavam ficavam impuras, exigindo cerimónias de limpeza. O Pentateuco era sagrado já no tempo de Esdras, no século V a. C., quando foi imposto às pessoas que regressavam do exílio. A Bíblia é o cânone de Israel. Mas os livros não podem adquirir autoridade antes de serem escritos. O Antigo Testamento foi concebido para ter o reconhecimento oficial. E teve-o de imediato. O problema são os apócrifos. Os evangelhos, os santos, os deuses, os seus filhos legítimos e ilegítimos, as mães e os putativos pais. É tudo uma questão de fé. Devemo-nos perguntar porquê tanta fé e tão poucos resultados. Criar, seja o que for, é uma tarefa ingrata. Por que razão só alguns livros foram vistos como Escritura? Uns acrescentam. Outros diminuem. Que Deus seja louvado, se é que pode. O cânone religioso é uma coisa fechada, como qualquer estupidez que se baseia na exclusão. Até a Bíblia foi durante muito tempo uma coisa aberta. Apenas os cristãos reformados rejeitaram os textos apócrifos por os considerarem sem importância. A verdade é que não há pior cego do que aquele que não quer ler. A minha fixação vai inteirinha para as adições ao Livro de Daniel, nomeadamente para o Cântico de Azarias e o Cântico dos Três Jovens; Susana; e para Bel e o Dragão. Coitados dos Macabeus. Também eu ressalto o envolvimento divino no enredo. Aqui bem mais claro que nos textos originais. Os livros apócrifos são sempre mais tardios do que o cânone original. A tradição judaica diz-nos que ela fez parte da mutilação do Antigo Testamento, nomeadamente para removerem as passagens conducentes ao cristianismo. A prática religiosa não deve vincular a Igreja. A religião é um paradoxo. Mas é na explicação dos paradoxos (e dos pássaros e dos anjos) que se baseia a religião. Parece que tudo estava escrito antes de o estar. O Espírito Santo inteligente, que depois transformaram em pomba ou em coroa ardente, a subtil agilidade da pureza, a perspicácia, tudo o que é sereno, tudo o que penetra nos espíritos, toda a subtileza. Tudo isso é um sopro de Deus. Ou resultado de uma flatulência divina. A luz e o seu reflexo são coisas divinas. Com a sua sabedoria se combate o mal para depois o fazermos ressuscitar. A divindade profunda está na ressurreição. Ninguém governa a bondade e a maldade. O pecado chegou ao mundo através da desobediência de Adão. É normal que o Diabo tenha invejado Deus. Mas eu acredito mais no contrário. Rezamos na era da técnica para lidar com a adversidade.