Poema Infinito (555): Vibrações
A vibração dos insetos deixou de ser regular. As colinas em volta estremecem com o calor. Cheira a germinação húmida da terra depois da chuva. Sinto os antigos odores da terra lavrada e dos bois suados. O tempo corre com uma lentidão de lesma, acompanhado pelo voo lânguido dos insetos e pelo cantar dos grilos. Memórias flageladas. Ainda oiço o avô resmungar e pressinto a sua agitação nervosa. O seu enorme ressentimento quando não tinha por perto alguém a quem culpar. Ele exigia dos filhos a compensação da sua obediência. A sensação de alívio é intermitente. Aceleram as batidas no peito. É agradável ficar no parapeito rochoso a absorver no corpo os raios de sol. A terra ficou de repente castanha. O sentido das dimensões está a desvanecer-se. A floresta permaneceu fascinante. A sensação de injustiça ficou mais distante. Quase abstrata. A erva ondula e sussurra ao vento. A verdade é que a aldeia está cheia de fantasmas. Os pássaros parecem cansados e tristes como se não quisessem voar para longe. Apanho um que está ferido. Ele agita-se na minha mão. Tenta esvoaçar, mas desiste. Os seus olhos brilham de atenção. Dá-me o pássaro, disse o avô. Eu estendi-lhe as mãos com o pássaro aninhado nelas. Sentia o coração da ave a pulsar. Os seus pequenos olhos moviam-se agitados. A vida tem impulsos estranhos. O avô não sabia se havia de acariciar a sua penugem fina ou se devia esmigalhá-lo entre os dedos. Sentia um impulso. Ele e eu. O nosso equilíbrio estava a tombar. Eu pedi que me o devolvesse. O som da minha voz era de derrota. Tinha a forma de um espasmo. Eu ouvia o grito angustiado do pássaro. A ave agitou-se na palma da mão do avô e ele espremeu-o. O gesto estava imbuído de raiva e náusea. Ele, o avô, atirou com os restos do pássaro para o outro lado do ribeiro. Ele respirou fundo. Eu tremi. Depois até as árvores se calaram. O avô disse então: Um homem é um idiota se não consegue levar as coisas até ao fim. O pássaro tinha a asa partida e, por isso, ia acabar por morrer. Compreendi então o impulso que levou o avô a matar o pássaro. Os cumes dos montes começaram a cercar a clareira. O céu da tarde principiava a tingir-se com os tons dourados do entardecer. A brisa corre agora fresca e faz sussurrar as folhas das árvores. A mãe lembra-nos da chuva que pode vir. As nuvens carregadas começaram a amontoar-se. A saudade pode ser terna. Acordei a meio da noite desamparado. As banalidades tornam a vida irreconhecível. O corpo transformou-se no principal centro de angústia. Reparei então no meu medo. Continuei a olhar a escuridão. Depois envelheci de repente. Atordoam-me as palavras. A maioria delas perde-se na Babel da maioria das conversações e no meio do ruído dos corpos. Era frequente a mãe massajar a dor de cabeça. Andamos sempre a substituir uma frustração por outra. Está tudo coberto pelo tédio e pela rotina, pelos regulamentos e pelas leis. Sinto-me mergulhar nas camadas multiformes da complexidade. O luar ilumina a neblina que continua a baixar sobre a clareira que cobre a folhagem com uma espécie de véu prateado. A terra é estranha, observada de noite. O contrário disto tudo é a apoteose da máquina. A seta do anseio foi disparada por Nietzsche. O tempo passa fazendo apressar o declínio. Continuo a escutar o eco da realidade.