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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

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30
Jun21

Poema Infinito (568): Longe e demasiado perto

João Madureira

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O avô plantava horas e dias no coração do tempo. E o tempo nunca lhe chegava. E cavava fundo na memória e nunca encontrava o que queria. Por vezes, o outono descia lento sobre a aldeia. Mas era a primavera que o espantava com as suas explosões de verde. E esperava pela sombra das árvores e pelas chamas coadas da madeira. E depois pelo orvalho. As demoras vinham sempre em ciclos. Depois as mãos começaram a tremer-lhe. Ele queria partir, mas nunca encontrou dinheiro suficiente para o fazer. Isso foi muito antes de a velhice o puxar para baixo. A avó esperava por uma intervenção divina que nunca aconteceu. Deus pagou-lhe com o silêncio. Depois ficou quase transparente. Por isso usava roupa preta, para afirmar aos outros que queria viver. Ela duvidava das madrugadas. Por isso amassava a farinha misturando-a com a água e o silêncio. E com lágrimas que eram o sal que davam sabor ao pão. Eu via passar as nuvens e as várias horas da tarde e ouvia chover contra os vidros das janelas. As nuvens corriam para sul. O inferno fazia parte de outra terra. Por vezes merendava ilusões e outras coisas simbólicas. As palavras estavam em construção, dentro de mim. A carne doía, as ruas eram delicadas e os heróis incertos. Tudo estava cheio de felizes lugares-comuns. As pessoas eram vulgares e bonitas. E os rostos evidenciavam linhas de sinceridade. E o pó de arroz brilhava na cara das mulheres. Aprendi que as borboletas, apesar da sua beleza, não têm alma. Tudo evidenciava paciência. E gratidão. E lucidez. A defesa das almas também pode ser um vício. Lia nos livros que os génios morrem picados de génio e de bexigas. Havia gente que se aborrecia por necessidade. Lembro-me sobretudo desses dias e depois do sol e das vinhas e dos gritos da mulher possuída e das noites fluviais e das vertiginosas danças bárbaras e da época prodigiosa dos lugares da paixão. As mulheres cantavam com a sua voz doce o pão das primaveras breves, muitos anos antes da destruição. Agora as pessoas regressam à sua terra para morrer. Ver os lugares do fascínio é como um inverno violento. As árvores parecem estéreis. A estrada alonga-se através da poeira amarela. A solidão inclina-se sobre as vinhas. Salvam-se as urzes e a solidão do caminhante. Até o vento parece estrangeiro. É difícil controlar a saudade e a desolação. Por vezes farto-me de as coisas serem sempre assim. Ou muito longe. Ou demasiado perto. Tudo vagamente absorto. Os dias partidos, os poemas fracos. Estas ruas já foram alegres. Nesse tempo, a alegria era anónima. Apesar da chuva e do nevoeiro que demorava a dissipar-se. Era servida por palavras simples e por condições subjetivas. As tardes de primavera arredondavam-se, as aves voavam solitárias e os homens enchiam o peito de ar vespertino. Os rostos estavam isentos de contradição e Deus ainda era invisível e não a coisa triste e desalentadora de agora. Recolho cada vez mais despedidas, a maior parte delas definitivas. O destino é caótico. Molham-se-me os olhos. Deixo-me cair dentro da cidade. Deus está mais perto dos homens. E os homens estão mais perto do chão. Desço o meu olhar sobre as oliveiras. A primavera desenruga a superfície do tempo.  A mãe sorri com o regaço cheio de lírios. Os olhos enchem-se-me de sombras. Ventos diversos açoitam o poente. Multiplicam-se as ausências. As ausências e os seus ecos.

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